Arquivo mensais:julho 2013

Financiamento de campanha: a resposta está em algum/nenhum lugar

Nesse momento da apuração das pautas do Arquitetura da Gentrificação (AG), estamos pesquisando detalhes da prestação de contas de candidatos a vereador das eleições de 2012 disponíveis no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 2006, candidatos a qualquer cargo foram obrigados a fornecer no site do TSE (art. 28, inciso II, parágrafo 4), nomes de doadores e valores doados por estes. Estas informações, no entanto, deviam ser abertas apenas no fim das eleições, até um mês depois do pleito.

Em 2012, o Juiz de Direito Márlon Reis, do Maranhão, conseguiu obrigar os candidatos de três municípios daquele estado a fazerem a prestação de contas completa, com nome de doadores e valores, antes do fim da disputa eleitoral, nas duas prestações preliminares que os candidatos já eram obrigados a fazer em agosto e setembro. O juiz, que é um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, usou a Lei de Acesso à Informação para justificar a medida.

Aberto o precedente, o TSE estendeu a medida a todo o país, obrigando candidatos de todos Estados a abrirem suas contas durante as eleições.

Mas nem tudo está explícito no site do TSE. Para esses dados que faltam e que nos interessam no contexto da reportagem que estamos produzindo, resolvemos entrar em contato com os partidos após analisar as planilhas de prestação de contas de cada um dos vereadores eleitos na cidade de São Paulo em 2012, além das planilhas dos comitês de campanha e diretórios de partidos. Formulamos perguntas bastante específicas e objetivas.

O retorno que recebemos dos partidos até o momento não foi dos mais generosos em termos de  informações e disposição em abrir os dados. Mas nada fora da curva. Trata-se de um reflexo da falta da cultura da transparência entendida como norma de conduta, como escrevi em post anterior a este, e não como cumprimento de uma lei/regra específica. Não fosse este o cenário, não receberíamos como resposta padrão a frase “todos os dados estão disponíveis no site do TSE”. Não, não estão. E eles sabem disso.

Pulando de um site a outro, pesquisando nomes, números, arquivos, lendo reportagens antigas, vamos desenhando dois mapas. O primeiro deles é o das “curiosidades”. Neste mapa, empresa que financiou vereador aparece como prestadora de serviços na folha de gastos da Câmara do mesmo vereador que ajudou a eleger. Pessoa física que doa polpudas quantias a um candidato é dono de empresa que doa quantias igualmente polpudas, mas com CNPJ, ao mesmo candidato.

Já o segundo mapa aparece com uma espessa nuvem de poeira por cima ocultando o traçado do dinheiro doado a diretórios e comitês dos partidos. Curiosamente – ou não tão curiosamente assim -, a falta de transparência sistêmica que oculta a origem do dinheiro em algumas das planilhas do TSE é a mesma que oculta do perguntador (jornalista ou não) a origem da resposta que ele procura. Uma fonte leva a outra que leva a outra que leva a outra e a outra, e esta última leva a lugar nenhum.

Esta reportagem será publicada dentro de alguns dias no site do projeto, ainda em fase de produção. Sem dúvida é uma das reportagens mais importantes do AG – por isso a escolhemos como uma das primeiras -, já que nos leva à raiz da resposta a um dos nossos principais questionamentos: por que a cidade vem sendo construída dessa forma, à revelia da vontade e das necessidades da maioria dos cidadãos?

Que há uma raiz para essa pergunta, há. Difícil é encontrá-la embaixo de tanta terra que vez e outra jogam por cima. Seguimos cavando.

A vida privada da informação pública

Já iniciamos as apurações das três primeiras reportagens que vão compor o conjunto de matérias analíticas sobre o tema gentrificação no centro de São Paulo nas duas últimas administrações municipais, suas raízes, desdobramentos e consequências.

Desde sempre sabíamos que não seria fácil. Não só pela complexidade do assunto, mas principalmente porque, para esse trabalho, dependemos largamente de informações em posse de setores do poder público, que não raro dificultam o acesso do cidadão a dados que deveriam ser abertos. Ironia das mais contraproducentes.

A Lei de Acesso à Informação, promulgada no dia 18 de novembro de 2011 pela presidente Dilma Rousseff e em vigor desde maio de 2012, foi criada com o objetivo de garantir e regulamentar o direito constitucional dos cidadãos ao conhecimento de informações públicas. Estão sujeitos ao cumprimento desta lei:

– os órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e Judiciário e do Ministério Público;

– as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

E diz ainda o artigo 2o: aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, às entidades privadas sem fins lucrativos que recebam, para realização de ações de interesse público, recursos públicos diretamente do orçamento ou mediante subvenções sociais, contrato de gestão, termo de parceria, convênios, acordo, ajustes ou outros instrumentos congêneres. 

Ainda incipiente

Apesar de estar já há mais de um ano em vigor, o cumprimento da lei pelos órgãos públicos ainda engatinha, mesmo numa cidade como São Paulo, com mais recursos financeiros, humanos e tecnológicos para essa empreitada. Falta padronização na disponibilização dos dados ao público, falta arquitetura da informação inteligente que simplifique a busca dos dados nos sites, falta tratamento das informações para que sejam facilmente encontradas, abertas e compreendidas por cidadãos comuns que não dominam jargões e temas técnicos e nem o uso de softwares de análise de dados e planilhas cheias de códigos. Falta diálogo entre repartições de uma mesma secretaria, e entre secretarias, para que cada qual saiba quais dados são de sua responsabilidade e assim não joguem o cidadão de um lado para o outro em sua busca. E faltam, muitas vezes, os próprios dados.

Falta, sobretudo, a cultura da transparência entendida como princípio de conduta, e não como cumprimento pró-forma da lei (portanto, um cumprimento “a meias”, burocrático, pra “justiça ver”).

É como definia dia desses o parceiro de projeto Fabrício Muriana ao comentar a “má vontade” institucional de servidores e partidos acerca da abertura de informações públicas: “as instituições não enxergam a possibilidade de uma democracia direta”. Não concebem a existência de cidadãos comuns interessados em dados que lhes revelem detalhes das políticas públicas que estão sendo executadas em suas cidades, das políticas nas quais ele, cidadão, quer e tem direito de interferir, e que para isso precisa dos tais dados para saber onde pisa e por onde pode/deve ir.

Em breve falaremos aqui de mais detalhes desta reportagem que estamos preparando, e da “aventura” que significa buscar informações públicas que, no mundo ideal da transparência institucional, seriam oferecidas como bem público, e não guarnecida como propriedade privada.

Haddad assina decreto que impede construção de HIS em zonas exclusivamente residenciais

 

Trecho do decreto que anuncia a impossibilidade de construção de HIS em áreas estritamente residenciais

Trecho do decreto que anuncia a impossibilidade de construção de HIS em áreas estritamente residenciais

Em artigo publicado no dia 12 de julho, a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik alerta para o decreto de número 54.074, assinado no dia 5 de julho pelo prefeito Fernando Haddad. Entre outras medidas, o decreto “consolida a impossibilidade de produção de HIS (Habitação de Interesse Social) em zonas exclusivamente residenciais” – palavras da urbanista.

Como o próprio nome sugere, a Habitação de Interesse Social é destinada a famílias de baixa renda. Mais concretamente, a famílias que recebem até seis salários mínimos por mês, segundo definição estabelecida no Plano Diretor Estratégico (PDE) de 2002.

A primeira questão que Rolnik levanta é: “se a zona é exclusivamente residencial, por que não residencial para todos?”. Por que, em última análise, famílias de baixa renda não poderão, segundo o decreto, morar em zonas exclusivamente residenciais onde habita uma maioria de famílias de renda mais alta?

Mistura de renda

A revisão do PDE este ano tem como uma das principais pautas discutidas a mistura de rendas como instrumento de socialização e distribuição mais justa da infra-estrutura urbana, como transporte, hospitais, escolas, equipamentos culturais, etc. Em audiência pública realizada no dia 22 de maio com movimentos populares de luta pela moradia, Sidnei Pita, liderança de um desses movimentos, apontou a discrepância que existe, por exemplo, na atual Parceria Público Privada de habitação no centro da cidade levada a cabo pelos governos estadual, municipal, iniciativa privada e com verba do governo federal, que destina apenas 2 mil unidades residenciais, de um total de 20 mil, a famílias que recebem de 0 a 3 salários mínimos, sendo que esta faixa é a que corresponde a 80% do déficit habitacional do país. Por que não inverter esses números, sugeriu Pita, e destinar 70%, 80% das moradias às famílias mais pobres e o restante às que podem pagar mais?

A quem interessa um decreto como esse assinado por Fernando Haddad no dia 5 de julho?, questiona Raquel Rolnik. Sem dúvida não interessa às famílias de baixa renda.

Distorção e revisão do Plano Diretor

Outra questão levantada pela urbanista é distorção provocada na definição de Habitação de Interesse Social pela valorização do salário mínimo. “Atualmente, a definição de HIS vai até seis salários mínimos de renda familiar mensal, segundo definição de 2002 quando foi feito o PDE, ou seja, muito antes da recente política de valorização do salário mínimo. Essa é uma das discussões mais importantes dentro da revisão do Plano: para ser realmente habitação de interesse social, seria necessário reduzir a faixa de HIS para 0 a 3 salários mínimos, assim como reduzir drasticamente as faixas da HMP (Habitação do Mercado Popular), que hoje vai até 16 salários mínimos!”.

Em reunião no dia 3 de julho com lideranças de movimentos sociais do centro sobre a PPP da Habitação, Reinaldo Iapequino, subsecretário da Agência Casa Paulista, braço do governo estadual responsável pela execução desse projeto, foi questionado pelos presentes a respeito dessa distorção na definição de HIS e HMP. Iapequino, como quem se exime da responsabilidade, respondeu que estavam seguindo o que está na lei. O subsecretário não entrou no mérito de se a distorção da lei poderia (e pode) alijar milhares de famílias de baixa renda do direito à moradia digna.

Pra que tanta pressa?

O Plano Diretor Estratégico de 2002 está, este ano, sendo revisto em um processo participativo com a sociedade que teve início em abril e previsão para ser concluído no fim de 2013, contemplando as críticas e sugestões feitas pela população. Esses aportes já estão sendo documentados e sistematizados no site Gestão Urbana, da prefeitura de São Paulo, criado especialmente para dar transparência ao processo. A revisão é o momento concreto para que sociedade e poder público corrijam, autalizem e aperfeiçoem o PDE, que vai determinar os rumos do crescimento e desenvolvimento da cidade pela próxima década.

Se existe uma distorção e a possibilidade real de corrigi-la dentro do Plano Diretor, se existe a discussão da mistura de rendas e a possibilidade real de regulamentar essa proposta como um instrumento urbanístico dentro do Plano Diretor, por que não esperar o término da revisão antes de levar adiante projetos e políticas públicas que podem afetar largamente, e de maneira permanente, milhões de pessoas?

A pressa na aprovação de certas medidas e a vista grossa para problemas específicos herdados de administrações anteriores podem dar pistas de onde recaem os interesses dos atuais gestores, e os nomes dos beneficiados com essas manobras.

Dossiê aponta medidas higienistas da gestão Serra-Kassab

capa dossiê

Entre as referências bibliográficas que estamos usando como base das investigações do “Arquitetura da Gentrificação” está o dossiê “Violações dos Direitos Humanos no Centro de São Paulo: propostas e reivindicações para políticas públicas”, produzido em meados do ano 2000 pelo Fórum Centro Vivo (FCV).

Fundado no dia 10 de dezembro de 2000 como articulação coletiva durante o seminário “Movimentos Populares e Universidade”, o FCV constituiu-se num “espaço para encontro, debates, reflexão, articulação, fortalecimento mútuo e luta na perspectiva de democratização e defesa dos direitos no centro da cidade, como contraponto a projetos e ações públicas e privadas que, em muitos casos, desconsideravam e afetavam negativamente os grupos mais vulneráveis ou atendiam apenas a interesses privados e de ordem econômica e imobiliária”.

O dossiê é um documento bastante detalhado sobre o processo de higienização levado a cabo no centro de São Paulo pela gestão Serra-Kassab, exatamente as duas administrações municipais que escolhemos para pesquisar e aprofundar na questão da gentrificação por serem “exemplares” na implementação de ações pontuais e políticas públicas com este fim.

Produzido e assinado por diversas entidades, ongs, movimentos e membros da sociedade civil, o dossiê tem 360 páginas e traz um histórico das violações dos direitos humanos cometidas por José Serra e Gilberto Kassab contra pessoas em situação de rua, ambulantes, movimentos de moradia, crianças, adolescentes, assistentes sociais, entre outros. O documento traz também propostas e reivindicações do FCV direcionadas aos gestores públicos.

O dossiê está fundamentado em depoimentos, análises, reportagens, fotos e bibliografia que conceitua, histórica e socialmente, as medidas higienistas das duas últimas administrações municipais.

Leia/baixe o documento completo aqui.

Trecho do dossiê

Trecho do dossiê. Autoria: Luciana Itikawa

Movimentos de moradia discutem PPP da habitação do centro com secretário estadual Silvio Torres

Gegê (segundo à esquerda) para secretário de habitação do Estado, Silvio Torres: "o que vocês estão fazendo é uma contradição"

Gegê (segundo à esquerda) para secretário de habitação do Estado, Silvio Torres: “o que vocês estão fazendo é uma contradição”

Na última quarta-feira,  3/7, participamos como ouvintes da reunião entre membros de movimentos de moradia do Centro de São Paulo e com o secretário de habitação do Estado de São Paulo, Silvio Torres. O tema da reunião era a parceria público-privada para a construção de 20 mil habitações no Centro. A parceria foi estabelecida entre o governo estadual, governo municipal e iniciativa privada. O governo federal também irá aportar verbas do programa Minha Casa, Minha Vida no projeto.

Também estiveram presentes na reunião o subsecretário da Agência Casa Paulista, Reinaldo Iapequino, e Philip Yang, fundador do Instituto Urbem, responsável pelo projeto de habitação vencedor do edital da PPP do centro. A Agência Casa Paulista é o braço do governo que administra e opera fundos destinados à construção de habitação para população de baixa renda.

Gegê, liderança de movimentos de moradia, foi incisivo ao afirmar aos gestores que estes estavam tratando de forma indigna os movimentos históricos da região central da cidade por não terem aberto o diálogo com seus representantes antes da apresentação da PPP, impondo o projeto de cima para baixo. Disse também que o número de habitações destinadas aos movimentos sociais – 2 mil do total de 20 mil – é insuficiente para atender ao déficit habitacional da população de baixa renda. Em documento entregue durante a reunião aos gestores, os movimentos reivindicam, entre outras coisas, que 10 mil das 20 mil unidades previstas sejam destinadas às entidades e associações que atuam historicamente na região central; que outras 5 mil unidades sejam destinadas à locação social, que beneficiaria idosos de baixa renda, pessoas com deficiência e pessoas em situação de rua.

Dirigindo-se ao secretário, Gegê disse que isso era o mínimo que a secretaria poderia oferecer à população de baixa renda que já vive no centro, e pediu que Silvio Torres desse uma resposta aos presentes a respeito das 10 mil habitações reivindicadas. Até o final da reunião que durou mais de duas horas, Torres não se pronunciou sobre o assunto.

Entre as promessas feitas pelo secretário, está a da abertura de um novo edital para contemplar as entidades e associações do centro que ficaram de fora do cadastro. “Mas não posso garantir que isso seja feito para esta fase do projeto”, ponderou Torres, explicando que PPP da habitação terá uma segunda etapa, e que esta poderia contemplar mais reivindicações.

Ouça/baixe o áudio completo no link a seguir: