Em artigo publicado no dia 12 de julho, a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik alerta para o decreto de número 54.074, assinado no dia 5 de julho pelo prefeito Fernando Haddad. Entre outras medidas, o decreto “consolida a impossibilidade de produção de HIS (Habitação de Interesse Social) em zonas exclusivamente residenciais” – palavras da urbanista.
Como o próprio nome sugere, a Habitação de Interesse Social é destinada a famílias de baixa renda. Mais concretamente, a famílias que recebem até seis salários mínimos por mês, segundo definição estabelecida no Plano Diretor Estratégico (PDE) de 2002.
A primeira questão que Rolnik levanta é: “se a zona é exclusivamente residencial, por que não residencial para todos?”. Por que, em última análise, famílias de baixa renda não poderão, segundo o decreto, morar em zonas exclusivamente residenciais onde habita uma maioria de famílias de renda mais alta?
Mistura de renda
A revisão do PDE este ano tem como uma das principais pautas discutidas a mistura de rendas como instrumento de socialização e distribuição mais justa da infra-estrutura urbana, como transporte, hospitais, escolas, equipamentos culturais, etc. Em audiência pública realizada no dia 22 de maio com movimentos populares de luta pela moradia, Sidnei Pita, liderança de um desses movimentos, apontou a discrepância que existe, por exemplo, na atual Parceria Público Privada de habitação no centro da cidade levada a cabo pelos governos estadual, municipal, iniciativa privada e com verba do governo federal, que destina apenas 2 mil unidades residenciais, de um total de 20 mil, a famílias que recebem de 0 a 3 salários mínimos, sendo que esta faixa é a que corresponde a 80% do déficit habitacional do país. Por que não inverter esses números, sugeriu Pita, e destinar 70%, 80% das moradias às famílias mais pobres e o restante às que podem pagar mais?
A quem interessa um decreto como esse assinado por Fernando Haddad no dia 5 de julho?, questiona Raquel Rolnik. Sem dúvida não interessa às famílias de baixa renda.
Distorção e revisão do Plano Diretor
Outra questão levantada pela urbanista é distorção provocada na definição de Habitação de Interesse Social pela valorização do salário mínimo. “Atualmente, a definição de HIS vai até seis salários mínimos de renda familiar mensal, segundo definição de 2002 quando foi feito o PDE, ou seja, muito antes da recente política de valorização do salário mínimo. Essa é uma das discussões mais importantes dentro da revisão do Plano: para ser realmente habitação de interesse social, seria necessário reduzir a faixa de HIS para 0 a 3 salários mínimos, assim como reduzir drasticamente as faixas da HMP (Habitação do Mercado Popular), que hoje vai até 16 salários mínimos!”.
Em reunião no dia 3 de julho com lideranças de movimentos sociais do centro sobre a PPP da Habitação, Reinaldo Iapequino, subsecretário da Agência Casa Paulista, braço do governo estadual responsável pela execução desse projeto, foi questionado pelos presentes a respeito dessa distorção na definição de HIS e HMP. Iapequino, como quem se exime da responsabilidade, respondeu que estavam seguindo o que está na lei. O subsecretário não entrou no mérito de se a distorção da lei poderia (e pode) alijar milhares de famílias de baixa renda do direito à moradia digna.
Pra que tanta pressa?
O Plano Diretor Estratégico de 2002 está, este ano, sendo revisto em um processo participativo com a sociedade que teve início em abril e previsão para ser concluído no fim de 2013, contemplando as críticas e sugestões feitas pela população. Esses aportes já estão sendo documentados e sistematizados no site Gestão Urbana, da prefeitura de São Paulo, criado especialmente para dar transparência ao processo. A revisão é o momento concreto para que sociedade e poder público corrijam, autalizem e aperfeiçoem o PDE, que vai determinar os rumos do crescimento e desenvolvimento da cidade pela próxima década.
Se existe uma distorção e a possibilidade real de corrigi-la dentro do Plano Diretor, se existe a discussão da mistura de rendas e a possibilidade real de regulamentar essa proposta como um instrumento urbanístico dentro do Plano Diretor, por que não esperar o término da revisão antes de levar adiante projetos e políticas públicas que podem afetar largamente, e de maneira permanente, milhões de pessoas?
A pressa na aprovação de certas medidas e a vista grossa para problemas específicos herdados de administrações anteriores podem dar pistas de onde recaem os interesses dos atuais gestores, e os nomes dos beneficiados com essas manobras.
Concordo plenamente..pra que construir em área proibida?