Já iniciamos as apurações das três primeiras reportagens que vão compor o conjunto de matérias analíticas sobre o tema gentrificação no centro de São Paulo nas duas últimas administrações municipais, suas raízes, desdobramentos e consequências.
Desde sempre sabíamos que não seria fácil. Não só pela complexidade do assunto, mas principalmente porque, para esse trabalho, dependemos largamente de informações em posse de setores do poder público, que não raro dificultam o acesso do cidadão a dados que deveriam ser abertos. Ironia das mais contraproducentes.
A Lei de Acesso à Informação, promulgada no dia 18 de novembro de 2011 pela presidente Dilma Rousseff e em vigor desde maio de 2012, foi criada com o objetivo de garantir e regulamentar o direito constitucional dos cidadãos ao conhecimento de informações públicas. Estão sujeitos ao cumprimento desta lei:
– os órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e Judiciário e do Ministério Público;
– as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
E diz ainda o artigo 2o: aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, às entidades privadas sem fins lucrativos que recebam, para realização de ações de interesse público, recursos públicos diretamente do orçamento ou mediante subvenções sociais, contrato de gestão, termo de parceria, convênios, acordo, ajustes ou outros instrumentos congêneres.
Ainda incipiente
Apesar de estar já há mais de um ano em vigor, o cumprimento da lei pelos órgãos públicos ainda engatinha, mesmo numa cidade como São Paulo, com mais recursos financeiros, humanos e tecnológicos para essa empreitada. Falta padronização na disponibilização dos dados ao público, falta arquitetura da informação inteligente que simplifique a busca dos dados nos sites, falta tratamento das informações para que sejam facilmente encontradas, abertas e compreendidas por cidadãos comuns que não dominam jargões e temas técnicos e nem o uso de softwares de análise de dados e planilhas cheias de códigos. Falta diálogo entre repartições de uma mesma secretaria, e entre secretarias, para que cada qual saiba quais dados são de sua responsabilidade e assim não joguem o cidadão de um lado para o outro em sua busca. E faltam, muitas vezes, os próprios dados.
Falta, sobretudo, a cultura da transparência entendida como princípio de conduta, e não como cumprimento pró-forma da lei (portanto, um cumprimento “a meias”, burocrático, pra “justiça ver”).
É como definia dia desses o parceiro de projeto Fabrício Muriana ao comentar a “má vontade” institucional de servidores e partidos acerca da abertura de informações públicas: “as instituições não enxergam a possibilidade de uma democracia direta”. Não concebem a existência de cidadãos comuns interessados em dados que lhes revelem detalhes das políticas públicas que estão sendo executadas em suas cidades, das políticas nas quais ele, cidadão, quer e tem direito de interferir, e que para isso precisa dos tais dados para saber onde pisa e por onde pode/deve ir.
Em breve falaremos aqui de mais detalhes desta reportagem que estamos preparando, e da “aventura” que significa buscar informações públicas que, no mundo ideal da transparência institucional, seriam oferecidas como bem público, e não guarnecida como propriedade privada.