Arquivo mensais:outubro 2013

Dilma sanciona lei que garante ao setor privado o poder de desapropriar e lucrar em obras de urbanização

A presidente Dilma Rousseff sancionou ontem, 24/10, a lei 12873, que trata “de obras e serviços de engenharia relacionados à modernização, construção, ampliação ou reforma de armazéns destinados às atividades de guarda e conservação de produtos agropecuários”.

Como explicou a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik em artigo sobre o tema, o texto da lei ganhou uma série de “penduricalhos”, entre eles, uma alteração estratégica do artigo 4º do Decreto-Lei 3365, de 1941, que trata das desapropriações por utilidade pública.

A alteração do artigo 4º do Decreto-Lei, sancionada ontem por Dilma, diz o seguinte: “Quando a desapropriação destinar-se à urbanização ou à reurbanização realizada mediante concessão ou parceria público-privada, o edital de licitação poderá prever que a receita decorrente da revenda ou utilização imobiliária integre projeto associado por conta e risco do concessionário, garantido ao poder concedente no mínimo o ressarcimento dos desembolsos com indenizações, quando estas ficarem sob sua responsabilidade.”

Nas palavras de Rolnik, “isso vai permitir que uma empresa privada que ganhe uma concessão para reurbanizar um bairro numa cidade qualquer – Botafogo, no Rio de Janeiro, por exemplo –, possa não apenas realizar as obras, como já acontece hoje, mas também tornar-se dona do bairro inteiro, pois também poderá desapropriar para depois investir em megaempreendimentos imobiliários naquele território”.

Ou seja: este Cavalo de Tróia colocado no meio de lei que trata de “reforma de armazéns” permitirá que o poder público turbine suas parcerias com as empreiteiras, entregando bairros inteiros (a cidade, no fim das contas) aos interesses do mercado imobiliário, com o respaldo da lei e em nível nacional.

Aqui em São Paulo, Gilberto Kassab abriu o precedente para esse tipo de operação com o Projeto Nova Luz. O projeto utilizava o controverso instrumento chamado “concessão urbanística”, no qual o poder público concede ao privado o poder de desapropriar e lucrar sobre a área desapropriada. O Nova Luz foi “engavetado” pelo prefeito Fernando Haddad, mas reapareceu ampliado – e agora turbinado – com a PPP de Habitação do Centro, um projeto de R$ 4,6 bilhões para a construção de 20 mil moradias na região central da cidade e que já teve decreto de desapropriação publicado pelo governador Geraldo Alckmin com o endereço de mais de 900 imóveis que serão desapropriados. Em mapeamento feito por moradores, a maioria dos imóveis são residências, comércios e indústrias ocupados e consolidados há décadas, ao contrário do que dizem os gestores da PPP, de que seriam imóveis vazios ou sub-utilizados.

Se para os cidadãos e a cidade esta alteração incluída na lei aprovada ontem por Dilma representa uma porta aberta para a interferência daninha e agressiva do mercado imobiliário nas políticas públicas de habitação e urbanização da cidade, para os gestores públicos – prefeitos, governadores e vereadores -, que têm suas campanhas financiadas por empreiteiras, será mais uma forma eficiente de pagar, com o corpo da cidade, as dívidas contraídas durante as eleições junto ao mercado imobiliário.

Desembargador volta atrás na própria decisão e revoga liminar que suspendia PPP de Habitação do Centro

Menos de dois meses depois de suspender temporariamente a PPP de Habitação do Centro, o desembargador Xavier de Aquino voltou atrás em sua própria decisão e revogou a liminar que concedeu em 23 de agosto ao Ministério Público do Estado de São Paulo (MP). Ontem, 16 de outubro, o site do Tribunal de Justiça do Estado publicou a revogação de Aquino, que reconsiderou sua decisão anterior e concluiu que “houve audiência pública, levada a efeito no dia 27.02.2013 (…) sendo certo que dela participaram quase uma centena de pessoas, destacando-se representantes de movimentos de moradia, Defensoria Pública, Universidades, bem como entidades da sociedade civil, quando então o tema nuclear foi amplamente discutido (houve lista de presença e ata respectiva)”.

O promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo Maurício Ribeiro Lopes pedia a paralisação da PPP de habitação com o argumento de que não houve participação popular suficiente em nenhuma fase do projeto. A liminar foi negada em primeira instância, em julho desse ano, pelo juiz de Direito Randolfo Ferraz de Campos, da 14a. Vara de Fazenda Pública. O promotor entrou com recurso e conseguiu a decisão favorável do desembargador Xavier de Aquino em agosto. Agora, com a revogação da liminar, a PPP de Habitação do Centro não está mais suspensa.

Em entrevista a este blog na tarde de hoje (17/10), o promotor Maurício Ribeiro Lopes comentou a nova decisão: “Há uma incorreção [na justificativa do desembargador Xavier de Aquino] ao dizer que houve uma audiência pública em fevereiro. Não foi em fevereiro, foi em março, e essa audiência pública foi realizada não para atender qualquer disposição do Estatuto da Cidade, mas para atender a lei de licitações. Então é uma audiência pública com uma finalidade completamente diversa da participação popular prevista no Estatuto da Cidade como uma condição primeira da gestão democrática da cidade. Isso provoca uma alteração profunda da vida da cidade. As pessoas afetadas não foram cientificadas em nenhum momento para que pudessem, de alguma forma, participar do projeto”, afirmou o promotor.

O próximo passo

A revogação da liminar não encerra a ação. Outros dois desembargadores ainda devem decidir pelo deferimento ou indeferimento da liminar ao MP. “Haverá um parecer em segunda instância do Ministério Público. Isso vai a julgamento. Pode ser que no julgamento a decisão seja revertida e volte a liminar”, explicou Ribeiro Lopes. “A disposição do Ministério Público de rediscutir essa questão da participação popular e rediscutindo agora várias questões de mérito desse programa Casa Paulista, nós vamos levar a efeito com o Executivo, Judiciário, com quem tiver que ser levado, com a sociedade sobretudo”, completou.

Estado “já sabia”

Em 1 de outubro, quando a PPP ainda estava paralisada, o Ministério Público convocou uma reunião com gestores públicos para discutir a PPP de Habitação do Centro. Estiveram na reunião o promotor Ribeiro Lopes, o subsecretário da Casa Paulista, Reinaldo Iapequino, o diretor do Instituto Urbem, Philip Yang, responsável pelo projeto urbanístico vencedor da licitacão da PPP; e um advogado representando os moradores afetados pelo decreto de desapropriação de mais de 900 imóveis assinado em junho pelo governador Geraldo Alckmin.

O objetivo da reunião pedida pelo MP era negociar com o poder público formas efetivas de participação da sociedade civil na construção e acompanhamento integral do projeto da PPP, e não apenas em questões pontuais e periféricas. Dias depois do encontro, o promotor falou a este blog sobre o resultado da conversa: “Eles [poder público] querem esperar a decisão judicial sobre a ação que foi proposta. Até julgar o agravo não querem avançar muito. Eles têm esperança de que vão derrubar a decisão judicial e que não vão precisar negociar com o Ministério Público, e vão fazer as coisas como eles acham que devem ser feitas”.

O registro de movimentações no site do Tribunal de Justiça de São Paulo deixa claro que a “esperança” do Estado na derrubada da liminar não era à toa. Como notou o promotor, a pressão do poder público para a revogação fica evidente na quantidade de documentos anexados ao processo pelo Estado após a suspensão da PPP e pelos pedidos oficiais de reconsideração do despacho.

Mesmo com PPP de Habitação suspensa por liminar, Reinaldo Iapequino, Andrea Matarazzo e Police Neto fazem audiência sobre o projeto

À esquerda, o subsecretário da Agência Casa Paulista, Reinaldo Iapequino, e os vereadores Andrea Matarazzo e Police Neto compondo a mesa da audiência

À esquerda, o subsecretário da Agência Casa Paulista, Reinaldo Iapequino, e os vereadores Andrea Matarazzo e Police Neto compondo a mesa da audiência

Foi realizada ontem (9/10), na Câmara de Vereadores, audiência pública sobre a PPP de Habitação no Centro. À mesa estavam o vereador Andrea Matarazzo (PSDB), presidente da Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente da Câmara; o subsecretário da Agência Casa Paulista, Reinaldo Iapequino; e o vereador Police Neto (PSD), também membro da comissão de política urbana. O diretor do Instituto Urbem, Philip Yang, responsável pelo projeto da PPP, não compunha a mesa, mas acompanhava as discussões junto aos demais presentes. Os participantes da audiência não chegavam a 30 pessoas.

Diretor do Instituto Urbem, Philip Yang, acompanha audiência (à extrema direita da foto)

Diretor do Instituto Urbem, Philip Yang, acompanha audiência (à extrema direita da foto)

Este blog soube da audiência “por acaso”, quando buscava na agenda online da Câmara dados sobre outra atividade pública que aconteceria no mesmo dia e horário. No momento em que a reportagem chegou à Câmara, o debate sobre a PPP já estava no fim. O vídeo com a íntegra da audiência será disponibilizado nos próximos dias na galeria de vídeos da Câmara Municipal, segundo informou um funcionário da casa.

Agenda online da Câmara Municipal com anúncio da audiência sobre a PPP de Habitação no Centro

Agenda online da Câmara Municipal com anúncio da audiência sobre a PPP de Habitação no Centro

Suspensão da PPP e legalidade da audiência

Em entrevista a este blog, o promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo, Maurício Ribeiro Lopes, que conseguiu liminar suspendendo a PPP temporariamente, afirmou, a respeito das implicações da liminar, que “o que [o poder público] fizer será nulo, dinheiro perdido, caso de improbidade”.

Questionado pelo blog sobre a legalidade da audiência pública realizada ontem na Câmara Municipal – já que a PPP continua suspensa – o promotor explicou: “a Câmara Municipal pode fazer o que ela quiser pois a PPP é do Governo do Estado e em relação a ele vigora a paralisação”.

PPP de Habitação segue suspensa, e governo se mostra pouco disposto a ouvir a sociedade

Conforme este blog anunciou em post publicado no dia 19 de setembro, no dia 1 de outubro foi realizada uma reunião convocada pelo Ministério Público (MP) para discutir a PPP de Habitação do Centro, levada adiante pela Casa Paulista, agência do Governo do Estado vinculada à Secretaria Estadual de Habitação (SEHAB).

Estiveram na reunião o promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo Maurício Ribeiro Lopes, do Ministério Público; o subsecretário da Casa Paulista, Reinaldo Iapequino, o diretor do Instituto Urbem, Philip Yang, responsável pelo projeto urbanístico vencedor da licitacão da PPP; e um advogado representando os moradores afetados pelo decreto de desapropriação de mais de 900 imóveis assinado em junho pelo governador Geraldo Alckmin.

Em entrevista concedida ontem (4/10) ao blog do projeto Arquitetura da Gentrificação, o promotor Ribeiro Lopes afirmou que não se avançou muito na reunião. “Eles  querem esperar a decisão judicial sobre a ação que foi proposta. Até julgar o agravo não querem avançar muito. Eles têm esperança de que vão derrubar a decisão judicial e que não vão precisar negociar com o Ministério Público, e vão fazer as coisas como eles acham que devem ser feitas”, disse o promotor.

Quando fala em “agravo”, Ribeiro Lopes refere-se ao recurso que enviou ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo depois que teve liminar negada em primeira instância, em julho desse ano, para paralisar a PPP de Habitação. No dia 23 de agosto, o desembargador Xavier de Aquino, da 1a. Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, deferiu liminar favorável ao recurso enviado pelo Ministério Público, o que provocou a suspensão temporária da PPP de Habitação. “O que [a SEHAB] fizer será nulo, dinheiro perdido, caso de improbidade”, explicou o promotor sobre as implicações da liminar. Outros dois desembargadores ainda precisam emitir suas decisões – que podem ser favoráveis ou não.

Participação popular efetiva

Segundo o promotor, o Ministério Público quer negociar com a SEHAB uma participação maior da sociedade civil na condução da PPP. A suspensão conseguida com a liminar era justamente para ganhar tempo para discutir os meios de efetivar essa participação. “Eu quero audiências públicas para que os afetados sejam ouvidos, para que seja detalhado o plano, para que sejam apresentadas alternativas para ocupação de áreas. O decreto [de desapropriação] é muito abrangente, ele pega áreas de comércio e residências consolidados, não considera eventuais áreas que estão livres na cidade como prioridade, enfim, queria discutir muitas coisas com eles”.

Ao que tudo indica, no entanto, a Secretaria Estadual de Habitação não está aberta à interferência da sociedade civil na construção da PPP, e espera que a liminar conseguida provisoriamente pelo MP seja derrubada para, assim, levar adiante o projeto da Casa Paulista do jeito que está.

Revisão do decreto

O blog questionou o promotor sobre a revisão, pela SEHAB, dos imóveis contidos no decreto de desapropriação. A promessa de revisão foi feita no dia 20 de agosto pelo subsecretário da Casa Paulista, Reinaldo Iapequino, durante debate realizado com os atingidos pelo decreto na sede da Associação Viva o Centro. Iapequino ouviu diversas reclamações de moradores presentes ao encontro de que seus imóveis residenciais e comerciais, em pleno uso, constavam na lista feita pelo governo e que, em tese, deveria contemplar apenas imóveis sub ou não utilizados. A íntegra do debate pode ser vista em vídeo aqui.

Sobre esta revisão, o promotor Ribeiro Lopes afirmou que o governo a suspendeu em virtude da decisão judicial que paralisou a PPP e para a qual a SEHAB aguarda um desfecho.

Questionado sobre quando sairia a decisão final dos outros dois desembargardores, o promotor foi enfático: “eu não falo sobre prazos do poder Judiciário. Para mim é um enigma. Pode ser um mês, pode ser um ano. Não tem expectativa”.

Até lá, a PPP de Habitação do Centro segue suspensa.