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Ex-prefeito Gilberto Kassab coordena núcleo de pesquisa em planejamento e gestão de cidades na USP

Kassab, prefeito cuja gestão foi marcada por críticas a sua relação enviesada com empreiteiras, encabeça grupo que ensina como administrar grandes cidades

Nomeado pelo reitor da USP, João Grandino Rodas, ex-prefeito foi escolhido para liderar o núcleo por sua experiência na prefeitura da São Paulo. Foto: Pragmatismo Político

Nomeado pelo reitor da USP, João Grandino Rodas, ex-prefeito foi escolhido para liderar o núcleo por sua experiência na prefeitura da São Paulo. Foto: Pragmatismo Político

No início deste ano, a Universidade de São Paulo (USP) criou um núcleo de pesquisas sobre planejamento e gestão de cidades chamado USP Cidades. Voltado a gestores, o objetivo do núcleo, segundo seu site, é incidir no debate público sobre soluções para questões urbanas e “servir como ponto de referência para a articulação entre a gestão pública, a pesquisa aplicada e o setor privado, para tratar dos principais desafios das cidades no país”. O núcleo tem sede no prédio da administração central, na Cidade Universitária, zona oeste de São Paulo.

Para encabeçar o grupo, o ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) foi convidado pelo próprio reitor da universidade, João Grandino Rodas. A justificativa para a nomeação, como consta no site, é “a experiência do Prefeito na gestão de uma grande cidade”.

Junto com Kassab, fazem parte do núcleo ex-servidores públicos que atuaram em sua gestão (2006-2012). Entre eles está Miguel Luiz Bucalem, atual coordenador acadêmico do núcleo e que em 2007 assumiu a chefia da Assessoria Técnica de Planejamento Urbano da Secretaria Municipal de Planejamento da Prefeitura de São Paulo. Entre 2009 e 2012, Bucalem encabeçou a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU). Como secretário executivo do USP Cidades está Domingos Pires de Oliveira Dias Neto, que entre 2010 e 2012 foi diretor da São Paulo Urbanismo (empresa pública responsável por desenvolver ações ligadas ao planejamento urbano do município) e entre 2011 e 2012 foi Secretário Municipal Adjunto de Desenvolvimento Urbano. Coordenando a secretaria executiva do núcleo está Maria Teresa Diniz, que encabeçou por 5 anos o GT Projetos na Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo (SEHAB). Para conhecer os demais membros do núcleo, clique aqui.

Não está claro se a nomeação destas pessoas foi feita também por Grandino Rodas ou por Gilberto Kassab.

Trabalho escravo e contratos suspeitos

O projeto Arquitetura da Gentrificação (AG) está há quase dois meses (56 dias hoje, 25/11) buscando informações sobre o USP Cidades. No escopo do projeto, interessa saber detalhes sobre a atuação do ex-prefeito no grupo, critérios de seleção dos membros do núcleo e como este é administrado. Além disso, interessa saber detalhes sobre orçamento do USP Cidades, repasses e fonte da verba, uma vez que se trata de entidade pública. Finalmente, o projeto questiona qual o tipo de parceria que o núcleo mantém, segundo consta em seu site, com a Construtora OAS e com a Revita Engenharia, e qual a postura do núcleo sobre estas duas parcerias considerando que a OAS foi flagrada por auditores do Ministério do Trabalho empregando mão de obra escrava no canteiro de obras de ampliação do aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, e que o Grupo Solví, ao qual pertence a empresa Revita Engenharia, é acusado de firmar contratos sem licitação com as prefeituras de Porto Alegre (RS) e João Pessoa (PB) por meio da própria Revita Engenharia.

Nomes e logos de parceiros no site do USP Cidades

Nomes e logos de parceiros no site do USP Cidades

A saga dos emails

A primeira troca de emails entre o AG e assessora de comunicação do USP Cidades, Paula Vianna Queiroz e Souza, aconteceu em 30 de setembro, após contato telefônico no qual Paula sugeriu o envio das questões por email. No mesmo dia a assessora afirmou, por email, que buscaria um responsável capaz de responder às questões e que daria um retorno no dia seguinte, 1 de outubro.

Apenas 23 dias depois daquele primeiro contato e após alguns telefonemas e duas cobranças formais por email feitas pelo AG é que Paula Vianna deu o primeiro retorno sobre as perguntas feitas em 30 de setembro.

Seguem abaixo a resposta por email da assessora e a réplica enviada pelo AG no mesmo dia, 23 de outubro. Por email, o AG voltou a cobrar um retorno em 25 de outubro, mas não obteve resposta. email 1 email 2 Em 31 de outubro – portanto um mês após a primeira solicitação – a própria coordenadora da secretaria executiva do núcleo, Maria Teresa Diniz, enviou um email ao AG sugerindo, mais uma vez, que as respostas fossem procuradas no site do USP Cidades. email 3 email 4 Site alterado e lei de acesso à informação

Conforme prometido no email acima, o AG reencaminhou a Teresa Diniz toda a troca de emails realizada anteriormente com a assessora de comunicação, Paula Vianna. No primeiríssimo email constavam as perguntas. Quando o AG fez sua primeira solicitação de informação ao USP Cidades, em 30 de setembro, nenhuma das perguntas enviadas encontravam resposta no site, que foi lido e relido diversas vezes antes do envio das perguntas, como é de praxe entre os jornalistas. Pelo menos até 23 de outubro ele permanecia com as mesmas informações de quando foi visitado pela primeira vez pelo AG.

Alguns dias depois, no entanto, o site foi alterado com a inclusão de informações que respondiam a algumas das perguntas. Após uma nova troca de emails com Maria Teresa Diniz (veja abaixo) e com base nas informações disponibilizadas no site, o AG reformulou as questões, retirando aquelas que já haviam sido respondidas pelo novo conteúdo do site e reformulando as que ainda não tinham sido contempladas. email 1 email 2

Clique na imagem para conseguir ler o email

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Apesar das novas informações incluídas no site do núcleo, a página ainda não traz os dados públicos básicos obrigatórios pela Lei de Acesso à Informação, especialmente os que se referem a recursos e movimentações financeiras e que são tema de algumas perguntas enviadas à entidade pelo AG.

Clique na imagem para ampliar o texto

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O último contato do Arquitetura da Gentrificação com o USP Cidades foi feito em 7 de novembro, por email. O projeto está há 18 dias aguardando resposta para esta última solicitação. Ao todo, são 58 dias desde o primeiro pedido de informações, em 30 de setembro, quantidade muito além dos 20 dias previstos como máximo pela Lei de Acesso à Informação (prorrogáveis por mais 10 mediante justificativa expressa).

 

PPP de habitação no centro é temporariamente paralisada

Áreas de intervenção da PPP de habitação no centro

Áreas de intervenção da PPP de habitação no centro

Com liminar, promotor de Habitação e Urbanismo do Ministério Público de São Paulo consegue “tempo para negociar” com gestores a participação popular no projeto. Reunião entre MP, Secretaria Estadual de Habitação, Agência Casa Paulista e Instituto Urbem está marcada para dia 1/10

 

A parceria público-privada (PPP) de habitação da Agência Casa Paulista, do Governo do Estado de São Paulo, que pretende construir mais de 20 mil unidades habitacionais de interesse social no centro da cidade, está temporariamente paralisada. A notícia foi dada ontem (18/9) pelo promotor Maurício Ribeiro Lopes, da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo da capital. A paralisação se deu no dia 23 de agosto, depois que o desembargador Xavier de Aquino, da 1a. Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, deferiu liminar favorável ao recurso enviado pelo Ministério Público. Outros dois desembargadores ainda precisam emitir suas decisões – que podem ser favoráveis ou não. “Isso deve acontecer nos próximos dias”, informou o promotor Ribeiro Lopes. Mas com este primeiro parecer favorável o governo paulista já não pode mais dar segmento ao projeto, para o qual estava sendo anunciado o lançamento, em breve, de edital de licitação das empresas que executarão as obras. “O que fizer será nulo, dinheiro perdido, caso de improbidade”, explicou o promotor sobre as implicações da liminar.

O recurso foi enviado por Lopes ao tribunal depois que ele teve liminar negada em primeira instância, em julho desse ano, pelo juiz de direito Randolfo Ferraz de Campos, da 14a. Vara de Fazenda Pública. O promotor pedia a paralisação da PPP de habitação com o argumento de que não houve participação popular suficiente em nenhuma fase do projeto. Para negar a liminar, o juiz entendeu que houve, sim, participação pública satisfatória, e que “conceder aqui a liminar na forma como se requereu na ação implicará atrasar significativamente a implementação da PPP Habitacional (…)”. Leia aqui a decisão do juiz na íntegra.

Promotor Maurício Ribeiro Lopes. Foto: Edson Lopes J. / Agência de notícias do Governo do Estado de SP

Promotor Maurício Ribeiro Lopes. Foto: Edson Lopes J. / Agência de notícias do Governo do Estado de SP

Com a paralisação de agora, o promotor diz que ganha tempo para negociar com o poder público a participação da sociedade no desenvolvimento do projeto. “O que eu tenho muito receio desse modelo de PPP com essa finalidade é que, na verdade, os preços podem ser ditados por uma lógica perversa de mercado, visando o lucro, e não por uma lógica que é do direito de moradia, que é de proteção de partes mais fracas”, diz Ribeiro Lopes. “Eu quero negociar primeiro com o poder público para abrir à sociedade a discussão disso. Começar do zero. Eu não quero aproveitar o que está feito. Dizer que o Urbem investiu… azar do Urbem [vencedor da concorrência para desenvolver o projeto urbanístico da PPP]. Não foi dinheiro público gasto. Foi dinheiro privado e em benefício privado. Se foi um mau investimento isso é problema deles. Não temos nenhum compromisso com o Urbem em comprar a ideia deles como veio. O que eu acho importante é discutir essa política e abrir para a sociedade”.

O promotor informou que já está marcada uma reunião para o dia 1 de outubro, no Ministério Público, entre ele e o secretário estadual de Habitação, Sílvio Torres, o subsecretário da Agência Casa Paulista, Reinaldo Iapequino, e o diretor do Instituto Urbem, Philip Yang.

Confira a seguir a entrevista que o Arquitetura da Gentrificação fez ontem, 18/9, com o promotor Maurício Ribeiro Lopes. Nela, ele fala sobre a falta de transparência da PPP da Agência Casa Paulista, da falta de critério do decreto de desapropriações assinado por Geraldo Alckmin e sobre a evidência de interesses obscuros por trás do projeto.

 

O que o Ministério Público questiona em relação à PPP do centro?

Estamos discutindo a questão da participação popular na formulação da política pública na área de habitação na região central da cidade. É absurdo imaginar que isso pode ser feito sem a participação popular. Existem várias Zonas Especiais de Interesse Especial (ZEIS) que são afetadas, não tem nenhum conselho gestor que tenha sido ouvido sobre isso, há uma sobreposição de políticas habitacionais da União, do município, do Estado. A gente precisa colocar isso em pratos mais limpos. Eu não estou entrando no mérito se [a PPP] é boa ou má. A questão, para mim, é preliminar: não se faz essa política sem participação popular.

E a questão do decreto de desapropriação?

Para mim ficou claro que os 900 imóveis afetados por esse decreto expropriatório não foram vistoriados pelo poder Executivo. Existem interesses econômicos ocultos por trás disso, o que é muito sério. Vou dar o exemplo de uma situação que me chamou muito a atenção. É desapropriado um imóvel na rua São Caetano, esquina com avenida Tiradentes, onde funciona um estabelecimento comercial há muitos anos. No projeto, ele vai ser desapropriado para fazer um outro conjunto comercial embaixo e uma torre em cima. Pergunto: o proprietário foi consultado? Foi perguntado se ele não queria aderir à PPP para permitir a edificação em cima e ele ficar com a área de baixo? Faltou critério. Isso, inclusive, foi confessado pelo Sílvio Torres (Secretário Estadual de Habitação) numa audiência pública na Assembleia Legislativa.

O Estado pode desapropriar terras do município?

Toda a base territorial do Estado é sobre municípios. Se o Estado quer fazer uma obra do metrô, ele desapropria terras da cidade. O que o Estado não pode é desapropriar um bem pertencente ao município, não pode desapropriar um prédio público que pertença ao município ou à União.

Como deveria ser essa política pública de habitação?

Eu quero aproveitar essa oportunidade da decisão judicial e ver como a gente pode caminhar em um acordo para construir essa política pública. Eu não tenho clareza de como ela deve ser desenvolvida, eu não tenho essa receita. Acho que o Executivo também não tem e não aceito que o Urbem dê esta receita. Isso tem que ser construído com os diversos interesses sociais que estão aí postos à disposição. Em primeiro lugar, teria que haver um mapeamento para as áreas que estão livres na cidade antes de se pensar em desapropriação de áreas que estão ocupadas com gente morando ou com renda sendo produzida. Depois, estabelecer um critério qualitativo e quantitativo para ter uma política consistente de formação de bairros. Isso envolveria uma articulação de políticas públicas entre Estado e município que eu ainda não vi. Eu tenho visto uma competição de quem constrói uma casa em menos tempo, seja lá a que custo social e urbanístico isso se dê. Isso é nocivo.

Consta no projeto do Urbem, desenvolvido em 2012, que àquela época o atual secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, Fernando de Mello Franco, era um dos diretores do instituto. Consta também que Tereza Herling, atual secretária-adjunta da SMDU, atuou como conselheira do projeto do Urbem que venceu a concorrrência. Sendo parte, hoje, do poder público, Mello Franco e Tereza teriam isenção para falar contra o projeto que ajudaram a desenvolver?

Talvez no tempo em que tenha sido feito esse projeto, ele [Fernando de Mello Franco] sequer tivesse expectativa de ser secretário. O que existe ali é um trabalho profissional dele àquela época. Eu não vejo um conflito de interesses. Acho que o que ele precisa é mostrar como se compatibilizam com isso as políticas estadual e municipal, como se faz essa interface. Mas eu não seria leviano de dizer que há um conflito de interesses, mas sem prejuízo de outros entendimentos em sentido contrário.

Reinaldo Iapequino foi questionado sobre se a PPP se assemelhava ao Projeto Nova Luz em relação ao uso do instrumento de concessão urbanística (poder público concede às empresas privadas o poder de desapropriar, construir e lucrar sobre as áreas desapropriadas). Ele disse que não porque a PPP não desapropria lotes, mas apenas propriedades. Um mapeamento feito por moradores das áreas desapropriadas pelo decreto mostrou que diversos imóveis contíguos desapropriados acabam formando lotes…

Na questão da Nova Luz, havia uma desapropriação de 42 quarteirões. O que nós temos [na PPP] são manchas na região central da cidade, são pedaços de diversos bairros. Agora, não é porque não pega um todo, como pegava o Nova Luz, que aquele instrumento concessão urbanística esteja abandonado. Você pode trabalhar de modo difuso, com mini-concessões urbanísticas em função de cada um desses conglomerados da mesma maneira.

Essa outorga do poder público do direito de desapropriar ao setor privado é legal?

É questionável.

É possível, então, questionar o projeto por aí também, pela questão da legalidade dessa outorga?

Olha, a história da legalidade é o último ponto que eu quero discutir. E por quê? As cabeças do Direito são cérebros do mal. O Direito explica qualquer coisa. O Direito explicou a escravidão. O Direito justifica qualquer situação. Você sempre vai encontrar ou vai construir instrumentos jurídicos que permitem cumprir a finalidade que o administrador quer. O Direito é a ferramenta mais perigosa para ser usada aqui. Se não for legal hoje, não quer dizer que não seja legal amanhã ou depois.

Ainda sobre o poder público conceder ao setor privado o poder de desapropriar: Iapequino disse que não há problema nisso porque o que está sendo feito na PPP é uma obra pública. Uma política habitacional pode ser considerada obra pública nos moldes previstos na lei que permite ao poder público conceder ao setor privado o direito de desapropriar?

Veja como a coisa vai na contramão. A licitação do metrô para a linha 6 é uma PPP, e estava previsto no primeiro edital que desapropriações e reassentamentos ficariam a cargo do parceiro privado. Não apareceu nenhum interessado. A primeira coisa que o Estado fez foi chamar aquilo de volta para si. Agora, no novo edital publicado, o Estado é quem assume desapropriação e reassentamento. Ora, isso é para metrô. Me parece que, com mais razão, ele iria fazer isso para habitação. Desapropriação de imóveis para habitação que sejam imóveis residenciais, eu não tenho dúvidas de que é o Estado que deveria fazer isso.

Tanto a Secretaria Estadual de Habitação, quanto a Agência Casa Paulista não divulgaram, até hoje, o projeto urbanístico completo feito pelo Instituto Urbem e nem os modelos jurídico e econômico que serão utilizados nessa PPP. Como o senhor vê isso?

O fato de não haver uma divulgação não me parece correto numa época em que o poder público tem uma obrigação de transparência. Não é possível que exista um segredo de Estado sobre aquilo que afeta a vida de tantas pessoas. E sabemos que tem gente que tem cópia inteirinha disso nas mãos. Setores do mercado imobiliário seguramente estão muito bem informados disso, do que se pretende. Quem não sabe são os fracos na situação.

No começo da conversa o senhor disse que havia interesses comerciais obscuros nesse projeto. Com base no que o senhor afirma isso?

Com base na falta de clareza na apresentação [do projeto].  Não há garantia, por exemplo, de que os polos de comércio existentes serão mantidos como tais. Pode haver induzimento de uma outra tipologia de atividade empresarial que vai se realizar.

Há uma conivência do poder público com o setor privado?

Não acho que conivência seja a palavra. Acho que a coisa está muito mal amarrada dentro do poder público e entre o poder público e a sociedade. Acho que o poder público não tem clareza, tanto que não houve vistoria física dos imóveis que não foram colocados no decreto, ele não tem clareza dos imóveis que está desapropriando. Ele está desapropriando em nome de um interesse que não é dele, ou que não é só dele, ou que em parte não é dele. Acho isso muito perigoso. Isso exige explicação.

Primeira página da liminar concedida por desembargador

Primeira página da liminar concedida por desembargador

Segunda página da liminar concedida por desembargador

Segunda página da liminar concedida por desembargador

 

Haddad assina decreto que impede construção de HIS em zonas exclusivamente residenciais

 

Trecho do decreto que anuncia a impossibilidade de construção de HIS em áreas estritamente residenciais

Trecho do decreto que anuncia a impossibilidade de construção de HIS em áreas estritamente residenciais

Em artigo publicado no dia 12 de julho, a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik alerta para o decreto de número 54.074, assinado no dia 5 de julho pelo prefeito Fernando Haddad. Entre outras medidas, o decreto “consolida a impossibilidade de produção de HIS (Habitação de Interesse Social) em zonas exclusivamente residenciais” – palavras da urbanista.

Como o próprio nome sugere, a Habitação de Interesse Social é destinada a famílias de baixa renda. Mais concretamente, a famílias que recebem até seis salários mínimos por mês, segundo definição estabelecida no Plano Diretor Estratégico (PDE) de 2002.

A primeira questão que Rolnik levanta é: “se a zona é exclusivamente residencial, por que não residencial para todos?”. Por que, em última análise, famílias de baixa renda não poderão, segundo o decreto, morar em zonas exclusivamente residenciais onde habita uma maioria de famílias de renda mais alta?

Mistura de renda

A revisão do PDE este ano tem como uma das principais pautas discutidas a mistura de rendas como instrumento de socialização e distribuição mais justa da infra-estrutura urbana, como transporte, hospitais, escolas, equipamentos culturais, etc. Em audiência pública realizada no dia 22 de maio com movimentos populares de luta pela moradia, Sidnei Pita, liderança de um desses movimentos, apontou a discrepância que existe, por exemplo, na atual Parceria Público Privada de habitação no centro da cidade levada a cabo pelos governos estadual, municipal, iniciativa privada e com verba do governo federal, que destina apenas 2 mil unidades residenciais, de um total de 20 mil, a famílias que recebem de 0 a 3 salários mínimos, sendo que esta faixa é a que corresponde a 80% do déficit habitacional do país. Por que não inverter esses números, sugeriu Pita, e destinar 70%, 80% das moradias às famílias mais pobres e o restante às que podem pagar mais?

A quem interessa um decreto como esse assinado por Fernando Haddad no dia 5 de julho?, questiona Raquel Rolnik. Sem dúvida não interessa às famílias de baixa renda.

Distorção e revisão do Plano Diretor

Outra questão levantada pela urbanista é distorção provocada na definição de Habitação de Interesse Social pela valorização do salário mínimo. “Atualmente, a definição de HIS vai até seis salários mínimos de renda familiar mensal, segundo definição de 2002 quando foi feito o PDE, ou seja, muito antes da recente política de valorização do salário mínimo. Essa é uma das discussões mais importantes dentro da revisão do Plano: para ser realmente habitação de interesse social, seria necessário reduzir a faixa de HIS para 0 a 3 salários mínimos, assim como reduzir drasticamente as faixas da HMP (Habitação do Mercado Popular), que hoje vai até 16 salários mínimos!”.

Em reunião no dia 3 de julho com lideranças de movimentos sociais do centro sobre a PPP da Habitação, Reinaldo Iapequino, subsecretário da Agência Casa Paulista, braço do governo estadual responsável pela execução desse projeto, foi questionado pelos presentes a respeito dessa distorção na definição de HIS e HMP. Iapequino, como quem se exime da responsabilidade, respondeu que estavam seguindo o que está na lei. O subsecretário não entrou no mérito de se a distorção da lei poderia (e pode) alijar milhares de famílias de baixa renda do direito à moradia digna.

Pra que tanta pressa?

O Plano Diretor Estratégico de 2002 está, este ano, sendo revisto em um processo participativo com a sociedade que teve início em abril e previsão para ser concluído no fim de 2013, contemplando as críticas e sugestões feitas pela população. Esses aportes já estão sendo documentados e sistematizados no site Gestão Urbana, da prefeitura de São Paulo, criado especialmente para dar transparência ao processo. A revisão é o momento concreto para que sociedade e poder público corrijam, autalizem e aperfeiçoem o PDE, que vai determinar os rumos do crescimento e desenvolvimento da cidade pela próxima década.

Se existe uma distorção e a possibilidade real de corrigi-la dentro do Plano Diretor, se existe a discussão da mistura de rendas e a possibilidade real de regulamentar essa proposta como um instrumento urbanístico dentro do Plano Diretor, por que não esperar o término da revisão antes de levar adiante projetos e políticas públicas que podem afetar largamente, e de maneira permanente, milhões de pessoas?

A pressa na aprovação de certas medidas e a vista grossa para problemas específicos herdados de administrações anteriores podem dar pistas de onde recaem os interesses dos atuais gestores, e os nomes dos beneficiados com essas manobras.

Dossiê aponta medidas higienistas da gestão Serra-Kassab

capa dossiê

Entre as referências bibliográficas que estamos usando como base das investigações do “Arquitetura da Gentrificação” está o dossiê “Violações dos Direitos Humanos no Centro de São Paulo: propostas e reivindicações para políticas públicas”, produzido em meados do ano 2000 pelo Fórum Centro Vivo (FCV).

Fundado no dia 10 de dezembro de 2000 como articulação coletiva durante o seminário “Movimentos Populares e Universidade”, o FCV constituiu-se num “espaço para encontro, debates, reflexão, articulação, fortalecimento mútuo e luta na perspectiva de democratização e defesa dos direitos no centro da cidade, como contraponto a projetos e ações públicas e privadas que, em muitos casos, desconsideravam e afetavam negativamente os grupos mais vulneráveis ou atendiam apenas a interesses privados e de ordem econômica e imobiliária”.

O dossiê é um documento bastante detalhado sobre o processo de higienização levado a cabo no centro de São Paulo pela gestão Serra-Kassab, exatamente as duas administrações municipais que escolhemos para pesquisar e aprofundar na questão da gentrificação por serem “exemplares” na implementação de ações pontuais e políticas públicas com este fim.

Produzido e assinado por diversas entidades, ongs, movimentos e membros da sociedade civil, o dossiê tem 360 páginas e traz um histórico das violações dos direitos humanos cometidas por José Serra e Gilberto Kassab contra pessoas em situação de rua, ambulantes, movimentos de moradia, crianças, adolescentes, assistentes sociais, entre outros. O documento traz também propostas e reivindicações do FCV direcionadas aos gestores públicos.

O dossiê está fundamentado em depoimentos, análises, reportagens, fotos e bibliografia que conceitua, histórica e socialmente, as medidas higienistas das duas últimas administrações municipais.

Leia/baixe o documento completo aqui.

Trecho do dossiê

Trecho do dossiê. Autoria: Luciana Itikawa