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Ex-prefeito Gilberto Kassab coordena núcleo de pesquisa em planejamento e gestão de cidades na USP

Kassab, prefeito cuja gestão foi marcada por críticas a sua relação enviesada com empreiteiras, encabeça grupo que ensina como administrar grandes cidades

Nomeado pelo reitor da USP, João Grandino Rodas, ex-prefeito foi escolhido para liderar o núcleo por sua experiência na prefeitura da São Paulo. Foto: Pragmatismo Político

Nomeado pelo reitor da USP, João Grandino Rodas, ex-prefeito foi escolhido para liderar o núcleo por sua experiência na prefeitura da São Paulo. Foto: Pragmatismo Político

No início deste ano, a Universidade de São Paulo (USP) criou um núcleo de pesquisas sobre planejamento e gestão de cidades chamado USP Cidades. Voltado a gestores, o objetivo do núcleo, segundo seu site, é incidir no debate público sobre soluções para questões urbanas e “servir como ponto de referência para a articulação entre a gestão pública, a pesquisa aplicada e o setor privado, para tratar dos principais desafios das cidades no país”. O núcleo tem sede no prédio da administração central, na Cidade Universitária, zona oeste de São Paulo.

Para encabeçar o grupo, o ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) foi convidado pelo próprio reitor da universidade, João Grandino Rodas. A justificativa para a nomeação, como consta no site, é “a experiência do Prefeito na gestão de uma grande cidade”.

Junto com Kassab, fazem parte do núcleo ex-servidores públicos que atuaram em sua gestão (2006-2012). Entre eles está Miguel Luiz Bucalem, atual coordenador acadêmico do núcleo e que em 2007 assumiu a chefia da Assessoria Técnica de Planejamento Urbano da Secretaria Municipal de Planejamento da Prefeitura de São Paulo. Entre 2009 e 2012, Bucalem encabeçou a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU). Como secretário executivo do USP Cidades está Domingos Pires de Oliveira Dias Neto, que entre 2010 e 2012 foi diretor da São Paulo Urbanismo (empresa pública responsável por desenvolver ações ligadas ao planejamento urbano do município) e entre 2011 e 2012 foi Secretário Municipal Adjunto de Desenvolvimento Urbano. Coordenando a secretaria executiva do núcleo está Maria Teresa Diniz, que encabeçou por 5 anos o GT Projetos na Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo (SEHAB). Para conhecer os demais membros do núcleo, clique aqui.

Não está claro se a nomeação destas pessoas foi feita também por Grandino Rodas ou por Gilberto Kassab.

Trabalho escravo e contratos suspeitos

O projeto Arquitetura da Gentrificação (AG) está há quase dois meses (56 dias hoje, 25/11) buscando informações sobre o USP Cidades. No escopo do projeto, interessa saber detalhes sobre a atuação do ex-prefeito no grupo, critérios de seleção dos membros do núcleo e como este é administrado. Além disso, interessa saber detalhes sobre orçamento do USP Cidades, repasses e fonte da verba, uma vez que se trata de entidade pública. Finalmente, o projeto questiona qual o tipo de parceria que o núcleo mantém, segundo consta em seu site, com a Construtora OAS e com a Revita Engenharia, e qual a postura do núcleo sobre estas duas parcerias considerando que a OAS foi flagrada por auditores do Ministério do Trabalho empregando mão de obra escrava no canteiro de obras de ampliação do aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, e que o Grupo Solví, ao qual pertence a empresa Revita Engenharia, é acusado de firmar contratos sem licitação com as prefeituras de Porto Alegre (RS) e João Pessoa (PB) por meio da própria Revita Engenharia.

Nomes e logos de parceiros no site do USP Cidades

Nomes e logos de parceiros no site do USP Cidades

A saga dos emails

A primeira troca de emails entre o AG e assessora de comunicação do USP Cidades, Paula Vianna Queiroz e Souza, aconteceu em 30 de setembro, após contato telefônico no qual Paula sugeriu o envio das questões por email. No mesmo dia a assessora afirmou, por email, que buscaria um responsável capaz de responder às questões e que daria um retorno no dia seguinte, 1 de outubro.

Apenas 23 dias depois daquele primeiro contato e após alguns telefonemas e duas cobranças formais por email feitas pelo AG é que Paula Vianna deu o primeiro retorno sobre as perguntas feitas em 30 de setembro.

Seguem abaixo a resposta por email da assessora e a réplica enviada pelo AG no mesmo dia, 23 de outubro. Por email, o AG voltou a cobrar um retorno em 25 de outubro, mas não obteve resposta. email 1 email 2 Em 31 de outubro – portanto um mês após a primeira solicitação – a própria coordenadora da secretaria executiva do núcleo, Maria Teresa Diniz, enviou um email ao AG sugerindo, mais uma vez, que as respostas fossem procuradas no site do USP Cidades. email 3 email 4 Site alterado e lei de acesso à informação

Conforme prometido no email acima, o AG reencaminhou a Teresa Diniz toda a troca de emails realizada anteriormente com a assessora de comunicação, Paula Vianna. No primeiríssimo email constavam as perguntas. Quando o AG fez sua primeira solicitação de informação ao USP Cidades, em 30 de setembro, nenhuma das perguntas enviadas encontravam resposta no site, que foi lido e relido diversas vezes antes do envio das perguntas, como é de praxe entre os jornalistas. Pelo menos até 23 de outubro ele permanecia com as mesmas informações de quando foi visitado pela primeira vez pelo AG.

Alguns dias depois, no entanto, o site foi alterado com a inclusão de informações que respondiam a algumas das perguntas. Após uma nova troca de emails com Maria Teresa Diniz (veja abaixo) e com base nas informações disponibilizadas no site, o AG reformulou as questões, retirando aquelas que já haviam sido respondidas pelo novo conteúdo do site e reformulando as que ainda não tinham sido contempladas. email 1 email 2

Clique na imagem para conseguir ler o email

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Apesar das novas informações incluídas no site do núcleo, a página ainda não traz os dados públicos básicos obrigatórios pela Lei de Acesso à Informação, especialmente os que se referem a recursos e movimentações financeiras e que são tema de algumas perguntas enviadas à entidade pelo AG.

Clique na imagem para ampliar o texto

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O último contato do Arquitetura da Gentrificação com o USP Cidades foi feito em 7 de novembro, por email. O projeto está há 18 dias aguardando resposta para esta última solicitação. Ao todo, são 58 dias desde o primeiro pedido de informações, em 30 de setembro, quantidade muito além dos 20 dias previstos como máximo pela Lei de Acesso à Informação (prorrogáveis por mais 10 mediante justificativa expressa).

 

Poder público e empresas privadas: pagamento de propina é via de mão dupla

Ministério Público anuncia prisão de quatro auditores da gestão Kassab acusados de cobrar propina para legalizar empreendimentos imobiliários. Tão importante quanto investigar suas relações com as empresas, é conhecer as conexões destas com outros gestores e obras públicas

O Ministério Público do Estado de São Paulo (MP) anunciou na quarta-feira, 30 de outubro, a prisão, pela Polícia Civil, de quatro ex-funcionários públicos ligados à Subsecretaria da Receita da Prefeitura de São Paulo durante a gestão de Gilberto Kassab (PSD). Segundo investigação levada a cabo também pela Controladoria Geral do Município (CGM), eles são acusados de fazer parte de um esquema de corrupção que condicionava a liberação do Habite-se ao pagamento de propina pelo empreendedor imobiliário. O Habite-se é um documento emitido pela prefeitura garantindo que a construção foi concluída dentro das normas legais exigidas. Um fator imprescindível para a emissão do documento é o pagamento, pelo empreendedor, do ISS (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza) calculado sobre o custo total da obra. Foi nessa cobrança que os acusados armaram o esquema.

Segundo Ministério Público, esta pousada em Visconde de Mauá (RJ), pertence a um dos acusados de corrupção. Foto: Google/Ministério Público

Segundo Ministério Público, esta pousada em Visconde de Mauá (RJ) pertence a um dos acusados de corrupção. Foto: Google/Ministério Público

Segundo o Ministério Público, os auditores fiscais emitiam aos empreendedores guias com valores irrisórios de recolhimento de ISS. Depois, cobravam destes propinas de alto valor a serem depositadas em suas contas bancárias. Se o empresário não pagasse o montante pedido, não recebia o Habite-se. “Uma grande empresa empreendedora recolheu, a título de ISS, uma guia no valor de R$ 17,9 mil e, no dia seguinte, depositou R$ 630 mil na conta da empresa de titularidade de um dos auditores fiscais. O valor da propina corresponde a 35 vezes o montante que entrou nos cofres públicos”, exemplificou o Ministério Público em nota divulgada em 30 de outubro. O foco dos auditores, segundo as investigações, eram prédios residenciais e comerciais de alto padrão, cujo custo de construção passava dos R$ 50 milhões. O esquema gerou prejuízo de pelo menos R$ 200 milhões aos cofres públicos, de acordo com o MP.

Um dos ex-funcionários presos é dono de um apartamento duplex neste edifício de luxo em Juiz de Fora (MG), segundo apurou o MP. Foto: Google/Ministério Público

Um dos ex-funcionários presos é dono de um apartamento duplex neste edifício de luxo em Juiz de Fora (MG), segundo apurou o MP. Foto: Google/Ministério Público

Mas quem pagou a propina?

Uma das coisas que mais chamou a atenção na nota do Ministério Público foi a não abertura dos nomes das empresas do setor imobiliário que pagaram propina. No caso dos auditores presos, foram publicadas as iniciais dos seus nomes, cargo ocupado e ano de exoneração. Com esses dados, foi tarefa simples cruzar informações e chegar ao nome completo de cada um deles.

Na edição desta sexta-feira, 1º de novembro, o jornal “O Estado de S. Paulo” publicou reportagem revelando os nomes de pelo menos cinco empresas envolvidas no esquema: as incorporadoras Trisul, BKO, Tarjab, Alimonti e Brookfield.

Tão importante quanto investigar as relações dos ex-funcionários com as empresas é conhecer as conexões destas empresas com outros gestores públicos.

A partir dessas informações, outras questões surgirão, e o conjunto de respostas a cada uma delas talvez seja capaz de revelar acordos entre poder público e capital imobiliário ainda mais antigos e profundos do que o revelado pelo MP. Considerando que em algum momento os nomes de todas as empresas envolvidas serão divulgados ao público, há pelo menos quatro perguntas cruciais a serem feitas: essas empresas fizeram doação à campanha de algum político? Se sim, a qual/quais? Em qual ou quais eleições? As empresas estão ou estiveram envolvidas em alguma obra pública?

Doação de campanha é investimento

Em reportagem publicada em setembro no projeto Arquitetura da Gentrificação (AG), da Repórter Brasil, a apuração revelou, por meio de análise e cruzamento de dados, que empreiteiras, incorporadoras e construtoras foram responsáveis por mais de 57% das doações feitas só aos diretórios nacionais de partidos que elegeram os vereadores da capital paulista. Há ainda doações dessas empresas aos diretórios estaduais, municipais, aos comitês de campanha e aos próprios candidatos. Quase todos os vereadores que venceram o pleito de 2012 na capital paulista receberam, direta ou indiretamente, verbas de empresas do setor imobiliário. Segundo o juiz Márlon Reis, um dos idealizadores da Lei Ficha Limpa, dentro de um universo de milhares de empresas potencialmente doadoras pertencentes aos mais diversos segmentos, ter doações maciças vindas de poucas companhias não demonstra outra coisa senão o interesse na “troca de benefícios indevidos” entre políticos e agentes do setor privado. Já nas palavras do ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Torquato Jardim, as doações, muitas vezes, são “investimentos”. “Se o candidato ganhar a eleição, o doador ganha contratos”, afirmou Jardim.

Infográfico produzido pelo Arquitetura da Gentrificação mostra como doações de campanha feitas por empreiteiras influenciaram as políticas públicas de urbanização da cidade

Infográfico produzido pelo Arquitetura da Gentrificação mostra como doações de campanha feitas por empreiteiras influenciaram as políticas públicas de urbanização da cidade durante a gestão de José Serra (PSDB) e seu sucessor Gilberto Kassab (PSD)

O (anti) exemplo de Serra e Kassab

Durante os mandatos de José Serra (PSDB) e Gilberto Kassab (PSD) na Prefeitura de São Paulo (2005-2012), ficou clara a relação de “pagamento do investimento” feito por meio de contratos de obras milionárias – alguns deles fraudulentos – que impactaram e impactam até hoje a cidade e seus moradores, especialmente os que viviam em favelas e foram expulsos de suas casas, de maneira violenta, para que ali brotassem novas torres comerciais, residenciais, avenidas e viadutos questionáveis do ponto de vista do planejamento urbano.

Em entrevista em vídeo a ser publicada em breve no site do Arquitetura da Gentrificação, a urbanista Ermínia Maricato fala sobre o casamento de interesses entre o capital imobiliário, a indústria automotiva e o poder público que afronta leis para dar vazão à gana construtiva com fins meramente rentistas, e que está levando as cidades a um abismo de muitos níveis de profundidade: do aumento abusivo do preço da terra e do custo de vida à verticalização irracional dos bairros, do caos da mobilidade à expulsão violenta da população de menor renda das regiões centrais da cidade.

Diante desse cenário, é possível dizer que o processo de gentrificação contemporâneo que ocorre na capital paulista tem parte das suas raízes nas doações de campanha maciças feitas por empreiteiras aos gestores, e “pagas” por estes, depois de eleitos, por meio de contratos de obras que, em vez de revigorarem a cidade, a mortificam juntamente com seus moradores.

O caixa 2 da relação

A rede de corrupção que o MP revelou na última quarta-feira é, de alguma forma, o “caixa 2” das relações questionáveis entre poder público e empresas do setor imobiliário, e que não é “privilégio” de nenhum partido ou gestão. Considerando que o caixa 1, ou seja, as doações de campanha feitas dentro da lei, já são bastante daninhas, o potencial destrutivo das propinas é ainda maior. Se é possível comprar um Habite-se, é possível também, dentro da mesma lógica do crime, comprar alvarás, licenças, laudos técnicos e outros documentos que podem evitar – ou precipitar – tragédias urbanas.

Por isso é essencial aprofundar a apuração nas redes de relações dessas empresas com gestores públicos, a começar por aqueles a quem, por ventura, tenham feito doação de campanha, seja em administrações anteriores ou na atual.

Segundo a nota do Ministério Público, o órgão “investiga se as empresas foram vítimas de concussão, porque não teriam outra opção para obter o certificado de quitação do ISS”. Toda investigação é necessária. Mas independentemente do nível de participação no esquema que essas companhias tenham tido, é importante nunca perder de vista que no cenário de mentiras e ilegalidades em que atuam os corruptos do poder público, a manutenção desse tipo de crime só é possível porque há a figura do corruptor do setor privado que aceita a oferta.

Dilma sanciona lei que garante ao setor privado o poder de desapropriar e lucrar em obras de urbanização

A presidente Dilma Rousseff sancionou ontem, 24/10, a lei 12873, que trata “de obras e serviços de engenharia relacionados à modernização, construção, ampliação ou reforma de armazéns destinados às atividades de guarda e conservação de produtos agropecuários”.

Como explicou a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik em artigo sobre o tema, o texto da lei ganhou uma série de “penduricalhos”, entre eles, uma alteração estratégica do artigo 4º do Decreto-Lei 3365, de 1941, que trata das desapropriações por utilidade pública.

A alteração do artigo 4º do Decreto-Lei, sancionada ontem por Dilma, diz o seguinte: “Quando a desapropriação destinar-se à urbanização ou à reurbanização realizada mediante concessão ou parceria público-privada, o edital de licitação poderá prever que a receita decorrente da revenda ou utilização imobiliária integre projeto associado por conta e risco do concessionário, garantido ao poder concedente no mínimo o ressarcimento dos desembolsos com indenizações, quando estas ficarem sob sua responsabilidade.”

Nas palavras de Rolnik, “isso vai permitir que uma empresa privada que ganhe uma concessão para reurbanizar um bairro numa cidade qualquer – Botafogo, no Rio de Janeiro, por exemplo –, possa não apenas realizar as obras, como já acontece hoje, mas também tornar-se dona do bairro inteiro, pois também poderá desapropriar para depois investir em megaempreendimentos imobiliários naquele território”.

Ou seja: este Cavalo de Tróia colocado no meio de lei que trata de “reforma de armazéns” permitirá que o poder público turbine suas parcerias com as empreiteiras, entregando bairros inteiros (a cidade, no fim das contas) aos interesses do mercado imobiliário, com o respaldo da lei e em nível nacional.

Aqui em São Paulo, Gilberto Kassab abriu o precedente para esse tipo de operação com o Projeto Nova Luz. O projeto utilizava o controverso instrumento chamado “concessão urbanística”, no qual o poder público concede ao privado o poder de desapropriar e lucrar sobre a área desapropriada. O Nova Luz foi “engavetado” pelo prefeito Fernando Haddad, mas reapareceu ampliado – e agora turbinado – com a PPP de Habitação do Centro, um projeto de R$ 4,6 bilhões para a construção de 20 mil moradias na região central da cidade e que já teve decreto de desapropriação publicado pelo governador Geraldo Alckmin com o endereço de mais de 900 imóveis que serão desapropriados. Em mapeamento feito por moradores, a maioria dos imóveis são residências, comércios e indústrias ocupados e consolidados há décadas, ao contrário do que dizem os gestores da PPP, de que seriam imóveis vazios ou sub-utilizados.

Se para os cidadãos e a cidade esta alteração incluída na lei aprovada ontem por Dilma representa uma porta aberta para a interferência daninha e agressiva do mercado imobiliário nas políticas públicas de habitação e urbanização da cidade, para os gestores públicos – prefeitos, governadores e vereadores -, que têm suas campanhas financiadas por empreiteiras, será mais uma forma eficiente de pagar, com o corpo da cidade, as dívidas contraídas durante as eleições junto ao mercado imobiliário.

Desembargador volta atrás na própria decisão e revoga liminar que suspendia PPP de Habitação do Centro

Menos de dois meses depois de suspender temporariamente a PPP de Habitação do Centro, o desembargador Xavier de Aquino voltou atrás em sua própria decisão e revogou a liminar que concedeu em 23 de agosto ao Ministério Público do Estado de São Paulo (MP). Ontem, 16 de outubro, o site do Tribunal de Justiça do Estado publicou a revogação de Aquino, que reconsiderou sua decisão anterior e concluiu que “houve audiência pública, levada a efeito no dia 27.02.2013 (…) sendo certo que dela participaram quase uma centena de pessoas, destacando-se representantes de movimentos de moradia, Defensoria Pública, Universidades, bem como entidades da sociedade civil, quando então o tema nuclear foi amplamente discutido (houve lista de presença e ata respectiva)”.

O promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo Maurício Ribeiro Lopes pedia a paralisação da PPP de habitação com o argumento de que não houve participação popular suficiente em nenhuma fase do projeto. A liminar foi negada em primeira instância, em julho desse ano, pelo juiz de Direito Randolfo Ferraz de Campos, da 14a. Vara de Fazenda Pública. O promotor entrou com recurso e conseguiu a decisão favorável do desembargador Xavier de Aquino em agosto. Agora, com a revogação da liminar, a PPP de Habitação do Centro não está mais suspensa.

Em entrevista a este blog na tarde de hoje (17/10), o promotor Maurício Ribeiro Lopes comentou a nova decisão: “Há uma incorreção [na justificativa do desembargador Xavier de Aquino] ao dizer que houve uma audiência pública em fevereiro. Não foi em fevereiro, foi em março, e essa audiência pública foi realizada não para atender qualquer disposição do Estatuto da Cidade, mas para atender a lei de licitações. Então é uma audiência pública com uma finalidade completamente diversa da participação popular prevista no Estatuto da Cidade como uma condição primeira da gestão democrática da cidade. Isso provoca uma alteração profunda da vida da cidade. As pessoas afetadas não foram cientificadas em nenhum momento para que pudessem, de alguma forma, participar do projeto”, afirmou o promotor.

O próximo passo

A revogação da liminar não encerra a ação. Outros dois desembargadores ainda devem decidir pelo deferimento ou indeferimento da liminar ao MP. “Haverá um parecer em segunda instância do Ministério Público. Isso vai a julgamento. Pode ser que no julgamento a decisão seja revertida e volte a liminar”, explicou Ribeiro Lopes. “A disposição do Ministério Público de rediscutir essa questão da participação popular e rediscutindo agora várias questões de mérito desse programa Casa Paulista, nós vamos levar a efeito com o Executivo, Judiciário, com quem tiver que ser levado, com a sociedade sobretudo”, completou.

Estado “já sabia”

Em 1 de outubro, quando a PPP ainda estava paralisada, o Ministério Público convocou uma reunião com gestores públicos para discutir a PPP de Habitação do Centro. Estiveram na reunião o promotor Ribeiro Lopes, o subsecretário da Casa Paulista, Reinaldo Iapequino, o diretor do Instituto Urbem, Philip Yang, responsável pelo projeto urbanístico vencedor da licitacão da PPP; e um advogado representando os moradores afetados pelo decreto de desapropriação de mais de 900 imóveis assinado em junho pelo governador Geraldo Alckmin.

O objetivo da reunião pedida pelo MP era negociar com o poder público formas efetivas de participação da sociedade civil na construção e acompanhamento integral do projeto da PPP, e não apenas em questões pontuais e periféricas. Dias depois do encontro, o promotor falou a este blog sobre o resultado da conversa: “Eles [poder público] querem esperar a decisão judicial sobre a ação que foi proposta. Até julgar o agravo não querem avançar muito. Eles têm esperança de que vão derrubar a decisão judicial e que não vão precisar negociar com o Ministério Público, e vão fazer as coisas como eles acham que devem ser feitas”.

O registro de movimentações no site do Tribunal de Justiça de São Paulo deixa claro que a “esperança” do Estado na derrubada da liminar não era à toa. Como notou o promotor, a pressão do poder público para a revogação fica evidente na quantidade de documentos anexados ao processo pelo Estado após a suspensão da PPP e pelos pedidos oficiais de reconsideração do despacho.

Acompanhe o andamento da suspensão temporária da PPP de Habitação

Noticiamos ontem (19/9) que a parceria público-privada (PPP) de habitação no centro, do governo do Estado, foi temporariamente suspensa por liminar concedida pelo desembargador Xavier de Aquino ao Ministério Público. Outros dois desembargadores precisam decidir por conceder ou não a liminar – por isso a suspensão noticiada ainda é temporária.

É possível acompanhar o processo todo online no site do Tribunal de Justiça de São Paulo. O link direto é este: https://esaj.tjsp.jus.br/cpo/sg/show.do?processo.foro=990&processo.codigo=RI001WKR20000

Se ele não funcionar, o caminho completo é:

1. acesse o site do TJ: https://www.tjsp.jus.br/

2. À direita da tela, no campo “Consulta de Processos”, selecione “processo 2a. instância” e digite o número do processo: 01568503420138260000

 

 

PPP de habitação no centro é temporariamente paralisada

Áreas de intervenção da PPP de habitação no centro

Áreas de intervenção da PPP de habitação no centro

Com liminar, promotor de Habitação e Urbanismo do Ministério Público de São Paulo consegue “tempo para negociar” com gestores a participação popular no projeto. Reunião entre MP, Secretaria Estadual de Habitação, Agência Casa Paulista e Instituto Urbem está marcada para dia 1/10

 

A parceria público-privada (PPP) de habitação da Agência Casa Paulista, do Governo do Estado de São Paulo, que pretende construir mais de 20 mil unidades habitacionais de interesse social no centro da cidade, está temporariamente paralisada. A notícia foi dada ontem (18/9) pelo promotor Maurício Ribeiro Lopes, da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo da capital. A paralisação se deu no dia 23 de agosto, depois que o desembargador Xavier de Aquino, da 1a. Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, deferiu liminar favorável ao recurso enviado pelo Ministério Público. Outros dois desembargadores ainda precisam emitir suas decisões – que podem ser favoráveis ou não. “Isso deve acontecer nos próximos dias”, informou o promotor Ribeiro Lopes. Mas com este primeiro parecer favorável o governo paulista já não pode mais dar segmento ao projeto, para o qual estava sendo anunciado o lançamento, em breve, de edital de licitação das empresas que executarão as obras. “O que fizer será nulo, dinheiro perdido, caso de improbidade”, explicou o promotor sobre as implicações da liminar.

O recurso foi enviado por Lopes ao tribunal depois que ele teve liminar negada em primeira instância, em julho desse ano, pelo juiz de direito Randolfo Ferraz de Campos, da 14a. Vara de Fazenda Pública. O promotor pedia a paralisação da PPP de habitação com o argumento de que não houve participação popular suficiente em nenhuma fase do projeto. Para negar a liminar, o juiz entendeu que houve, sim, participação pública satisfatória, e que “conceder aqui a liminar na forma como se requereu na ação implicará atrasar significativamente a implementação da PPP Habitacional (…)”. Leia aqui a decisão do juiz na íntegra.

Promotor Maurício Ribeiro Lopes. Foto: Edson Lopes J. / Agência de notícias do Governo do Estado de SP

Promotor Maurício Ribeiro Lopes. Foto: Edson Lopes J. / Agência de notícias do Governo do Estado de SP

Com a paralisação de agora, o promotor diz que ganha tempo para negociar com o poder público a participação da sociedade no desenvolvimento do projeto. “O que eu tenho muito receio desse modelo de PPP com essa finalidade é que, na verdade, os preços podem ser ditados por uma lógica perversa de mercado, visando o lucro, e não por uma lógica que é do direito de moradia, que é de proteção de partes mais fracas”, diz Ribeiro Lopes. “Eu quero negociar primeiro com o poder público para abrir à sociedade a discussão disso. Começar do zero. Eu não quero aproveitar o que está feito. Dizer que o Urbem investiu… azar do Urbem [vencedor da concorrência para desenvolver o projeto urbanístico da PPP]. Não foi dinheiro público gasto. Foi dinheiro privado e em benefício privado. Se foi um mau investimento isso é problema deles. Não temos nenhum compromisso com o Urbem em comprar a ideia deles como veio. O que eu acho importante é discutir essa política e abrir para a sociedade”.

O promotor informou que já está marcada uma reunião para o dia 1 de outubro, no Ministério Público, entre ele e o secretário estadual de Habitação, Sílvio Torres, o subsecretário da Agência Casa Paulista, Reinaldo Iapequino, e o diretor do Instituto Urbem, Philip Yang.

Confira a seguir a entrevista que o Arquitetura da Gentrificação fez ontem, 18/9, com o promotor Maurício Ribeiro Lopes. Nela, ele fala sobre a falta de transparência da PPP da Agência Casa Paulista, da falta de critério do decreto de desapropriações assinado por Geraldo Alckmin e sobre a evidência de interesses obscuros por trás do projeto.

 

O que o Ministério Público questiona em relação à PPP do centro?

Estamos discutindo a questão da participação popular na formulação da política pública na área de habitação na região central da cidade. É absurdo imaginar que isso pode ser feito sem a participação popular. Existem várias Zonas Especiais de Interesse Especial (ZEIS) que são afetadas, não tem nenhum conselho gestor que tenha sido ouvido sobre isso, há uma sobreposição de políticas habitacionais da União, do município, do Estado. A gente precisa colocar isso em pratos mais limpos. Eu não estou entrando no mérito se [a PPP] é boa ou má. A questão, para mim, é preliminar: não se faz essa política sem participação popular.

E a questão do decreto de desapropriação?

Para mim ficou claro que os 900 imóveis afetados por esse decreto expropriatório não foram vistoriados pelo poder Executivo. Existem interesses econômicos ocultos por trás disso, o que é muito sério. Vou dar o exemplo de uma situação que me chamou muito a atenção. É desapropriado um imóvel na rua São Caetano, esquina com avenida Tiradentes, onde funciona um estabelecimento comercial há muitos anos. No projeto, ele vai ser desapropriado para fazer um outro conjunto comercial embaixo e uma torre em cima. Pergunto: o proprietário foi consultado? Foi perguntado se ele não queria aderir à PPP para permitir a edificação em cima e ele ficar com a área de baixo? Faltou critério. Isso, inclusive, foi confessado pelo Sílvio Torres (Secretário Estadual de Habitação) numa audiência pública na Assembleia Legislativa.

O Estado pode desapropriar terras do município?

Toda a base territorial do Estado é sobre municípios. Se o Estado quer fazer uma obra do metrô, ele desapropria terras da cidade. O que o Estado não pode é desapropriar um bem pertencente ao município, não pode desapropriar um prédio público que pertença ao município ou à União.

Como deveria ser essa política pública de habitação?

Eu quero aproveitar essa oportunidade da decisão judicial e ver como a gente pode caminhar em um acordo para construir essa política pública. Eu não tenho clareza de como ela deve ser desenvolvida, eu não tenho essa receita. Acho que o Executivo também não tem e não aceito que o Urbem dê esta receita. Isso tem que ser construído com os diversos interesses sociais que estão aí postos à disposição. Em primeiro lugar, teria que haver um mapeamento para as áreas que estão livres na cidade antes de se pensar em desapropriação de áreas que estão ocupadas com gente morando ou com renda sendo produzida. Depois, estabelecer um critério qualitativo e quantitativo para ter uma política consistente de formação de bairros. Isso envolveria uma articulação de políticas públicas entre Estado e município que eu ainda não vi. Eu tenho visto uma competição de quem constrói uma casa em menos tempo, seja lá a que custo social e urbanístico isso se dê. Isso é nocivo.

Consta no projeto do Urbem, desenvolvido em 2012, que àquela época o atual secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, Fernando de Mello Franco, era um dos diretores do instituto. Consta também que Tereza Herling, atual secretária-adjunta da SMDU, atuou como conselheira do projeto do Urbem que venceu a concorrrência. Sendo parte, hoje, do poder público, Mello Franco e Tereza teriam isenção para falar contra o projeto que ajudaram a desenvolver?

Talvez no tempo em que tenha sido feito esse projeto, ele [Fernando de Mello Franco] sequer tivesse expectativa de ser secretário. O que existe ali é um trabalho profissional dele àquela época. Eu não vejo um conflito de interesses. Acho que o que ele precisa é mostrar como se compatibilizam com isso as políticas estadual e municipal, como se faz essa interface. Mas eu não seria leviano de dizer que há um conflito de interesses, mas sem prejuízo de outros entendimentos em sentido contrário.

Reinaldo Iapequino foi questionado sobre se a PPP se assemelhava ao Projeto Nova Luz em relação ao uso do instrumento de concessão urbanística (poder público concede às empresas privadas o poder de desapropriar, construir e lucrar sobre as áreas desapropriadas). Ele disse que não porque a PPP não desapropria lotes, mas apenas propriedades. Um mapeamento feito por moradores das áreas desapropriadas pelo decreto mostrou que diversos imóveis contíguos desapropriados acabam formando lotes…

Na questão da Nova Luz, havia uma desapropriação de 42 quarteirões. O que nós temos [na PPP] são manchas na região central da cidade, são pedaços de diversos bairros. Agora, não é porque não pega um todo, como pegava o Nova Luz, que aquele instrumento concessão urbanística esteja abandonado. Você pode trabalhar de modo difuso, com mini-concessões urbanísticas em função de cada um desses conglomerados da mesma maneira.

Essa outorga do poder público do direito de desapropriar ao setor privado é legal?

É questionável.

É possível, então, questionar o projeto por aí também, pela questão da legalidade dessa outorga?

Olha, a história da legalidade é o último ponto que eu quero discutir. E por quê? As cabeças do Direito são cérebros do mal. O Direito explica qualquer coisa. O Direito explicou a escravidão. O Direito justifica qualquer situação. Você sempre vai encontrar ou vai construir instrumentos jurídicos que permitem cumprir a finalidade que o administrador quer. O Direito é a ferramenta mais perigosa para ser usada aqui. Se não for legal hoje, não quer dizer que não seja legal amanhã ou depois.

Ainda sobre o poder público conceder ao setor privado o poder de desapropriar: Iapequino disse que não há problema nisso porque o que está sendo feito na PPP é uma obra pública. Uma política habitacional pode ser considerada obra pública nos moldes previstos na lei que permite ao poder público conceder ao setor privado o direito de desapropriar?

Veja como a coisa vai na contramão. A licitação do metrô para a linha 6 é uma PPP, e estava previsto no primeiro edital que desapropriações e reassentamentos ficariam a cargo do parceiro privado. Não apareceu nenhum interessado. A primeira coisa que o Estado fez foi chamar aquilo de volta para si. Agora, no novo edital publicado, o Estado é quem assume desapropriação e reassentamento. Ora, isso é para metrô. Me parece que, com mais razão, ele iria fazer isso para habitação. Desapropriação de imóveis para habitação que sejam imóveis residenciais, eu não tenho dúvidas de que é o Estado que deveria fazer isso.

Tanto a Secretaria Estadual de Habitação, quanto a Agência Casa Paulista não divulgaram, até hoje, o projeto urbanístico completo feito pelo Instituto Urbem e nem os modelos jurídico e econômico que serão utilizados nessa PPP. Como o senhor vê isso?

O fato de não haver uma divulgação não me parece correto numa época em que o poder público tem uma obrigação de transparência. Não é possível que exista um segredo de Estado sobre aquilo que afeta a vida de tantas pessoas. E sabemos que tem gente que tem cópia inteirinha disso nas mãos. Setores do mercado imobiliário seguramente estão muito bem informados disso, do que se pretende. Quem não sabe são os fracos na situação.

No começo da conversa o senhor disse que havia interesses comerciais obscuros nesse projeto. Com base no que o senhor afirma isso?

Com base na falta de clareza na apresentação [do projeto].  Não há garantia, por exemplo, de que os polos de comércio existentes serão mantidos como tais. Pode haver induzimento de uma outra tipologia de atividade empresarial que vai se realizar.

Há uma conivência do poder público com o setor privado?

Não acho que conivência seja a palavra. Acho que a coisa está muito mal amarrada dentro do poder público e entre o poder público e a sociedade. Acho que o poder público não tem clareza, tanto que não houve vistoria física dos imóveis que não foram colocados no decreto, ele não tem clareza dos imóveis que está desapropriando. Ele está desapropriando em nome de um interesse que não é dele, ou que não é só dele, ou que em parte não é dele. Acho isso muito perigoso. Isso exige explicação.

Primeira página da liminar concedida por desembargador

Primeira página da liminar concedida por desembargador

Segunda página da liminar concedida por desembargador

Segunda página da liminar concedida por desembargador

 

Projeto de PPP de habitação deve ser divulgado na íntegra hoje, segundo promessa de subsecretário

Subsecretário da Agência Casa Paulista, Reinaldo Iapequino. Foto / SEHAB

Subsecretário da Agência Casa Paulista, Reinaldo Iapequino. Foto / SEHAB

Na última semana, o subsecretário da Agência Casa Paulista, Reinaldo Iapequino, entrou em contato com a reportagem do Arquitetura da Gentrificação (AG) para informar que a íntegra do projeto para a PPP de habitação no centro de São Paulo estaria disponível no site da Casa Paulista hoje, segunda-feira, 2/9. Até às 13h, quando este post foi escrito, o documento ainda não havia sido publicado.

Insistência

A Agência Casa Paulista está submetida à Secretaria Estadual de Habitação (SEHAB) e é responsável por levar adiante projetos de habitação social. O contato do subsecretário foi fruto da insistência da equipe de reportagem do AG para ter acesso à íntegra do projeto desenvolvido pelo Instituto Urbem, vencedor da licitação, para esta PPP. A SEHAB estadual, responsável maior pela iniciativa, tem sido fortemente criticada por estar levando adiante a parceria sem a devida participação pública.

Lançado em abril de 2012, o projeto ainda não foi divulgado publicamente na íntegra. Sem as especificações completas do modelo urbanístico, jurídico e econômico adotado pelo governo, é impossível saber os planos concretos dos governos estadual e municipal para a região com esta PPP.

Desapropriações

Em junho, o governador Geraldo Alckmin assinou o decreto 59.273/2013, desapropriando 890 imóveis supostamente subutilizados na região onde será feita a PPP, e que serviriam aos fins do projeto. O decreto pegou os moradores de surpresa. Em primeiro lugar porque estes não foram previamente avisados sobre a medida. Muitos souberam do decreto por meio de advogados que, sabendo do decreto previamente, enviaram cartas aos moradores oferecendo seus serviços para ajudar no embate com o poder público. Em segundo lugar, porque as desapropriações incidiam não só sobre imóveis subutilizados ou vazios, mas também sobre residências e comércios ocupados há décadas. Até creche e convento constavam na lista de desapropriações.

Indignados, moradores e comerciantes da região vem participando de debates e audiências com Iapequino e o próprio secretário de habitação do Estado, Silvio Torres, na tentativa de revogar o documento. Torres considera a possibilidade de retirar do decreto os imóveis ocupados, mas resiste na sua total revogação.

Audiência hoje

Para seguir na discussão do tema, acontece hoje (2/9), às 19hs, na Assembleia Legislativa (Av. Pedro Álvares Cabral, 201 – Auditório Teotônio Vilela) audiência pública contra o decreto 59.273/2013. A audiência foi iniciativa do deputado Carlos Giannazi (PSOL).

Para construir moradia em “vazios urbanos”, Alckmin desapropria imóveis habitados

 

Mesa composta por Suely Mandelbaum, Marcelo Sampaio, Carlos Giannazi, Nelson da Cruz e Gegê. Foto: Fabricio Muriana

Mesa: Suely Mandelbaum, Marcelo Sampaio, Carlos Giannazi, Nelson da Cruz e Gegê. Foto: Fabricio Muriana.

Por Fabrício Muriana e Sabrina Duran

Aconteceu na última sexta-feira, 16/8, na Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP), audiência pública convocada pelo deputado Carlos Giannazi (Psol) para discutir o decreto 59.273, de 07/06/2013, no qual o governador Geraldo Alckmin desapropria 890 imóveis para a parceria público-privada (PPP) da Agência Casa Paulista, ligada à Secretaria de Estado de Habitação de São Paulo (SEHAB). A PPP prevê a criação de 20 mil unidades habitacionais na região central de São Paulo.

Ao longo da audiência, com o microfone aberto à sociedade civil, repetiram-se histórias de absoluto desconhecimento de proprietários de imóveis sobre as desapropriações às quais serão submetidos. A principal reclamação apresentada por eles é que a SEHAB não os consultou sobre esta medida.

O Instituto Urbem, empresa que ganhou a concorrência para desenvolver o projeto urbanístico para os seis lotes que integram a PPP da Casa Paulista, afirma que destacou 73 profissionais para mapear as condições da população e a situação fundiária. Entretanto, nenhum dono de imóvel que será desapropriado e que estava presente na audiência ouviu falar do estudo e nem da PPP. O projeto urbanístico do Urbem servirá de base para a licitação das empresas que demolirão e construirão as novas moradias.

Em documento publicado em 2010, a urbanista e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o Direito à Moradia Adequada, Raquel Rolnik, apresenta as condições essenciais para que uma desapropriação, quando absolutamente necessária, seja feita de forma justa. As três primeiras condições referem-se à informação:

a) dar a oportunidade de autênticas consultas aos afetados;

b) notificar de maneira adequada e razoável todas as pessoas afetadas, antes da data
prevista para o despejo;

c) proporcionar informação, no momento oportuno e a todos os afetados, sobre os despejos propostos, e quando se o proceda, sobre a finalidade para a qual se quer utilizar determinada terra ou moradia.

Precedente negativo

Em 25 de julho desse ano, o juiz de direito Randolfo Ferraz de Campos negou liminar do promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo de São Paulo, dr. Maurício Ribeiro Lopes, que solicitava a paralisação da PPP da Casa Paulista sob o argumento da falta de participação da sociedade civil no processo. Para sustentar a negativa, Ferraz de Campos disse, como argumento principal, que “conceder aqui a liminar na forma como se a requereu na ação implicará atrasar significativamente a implementação da PPP Habitacional (…)”. O juiz também afirmou que era “genérico” o pedido do promotor de “participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano relacionado à Parceria Público Privada para concessão administrativa na área central da cidade de São Paulo para fins de plano habitacional”.

Acesso à informação negado pelo “risco de especulação”

Dias antes da audiência, o Arquitetura da Gentrificação (AG) entrou em contato com Instituto Urbem e com a Secretaria Estadual de Habitação para ter acesso ao projeto na íntegra. Nos dois contatos, porém, o acesso foi negado.

No caso do Instituto Urbem, a justificativa para a não divulgação do estudo é que foi um “pedido deles [Agência Casa Paulista] pra não gerar especulação imobiliária”. A declaração foi dada por telefone pelo arquiteto Milton Braga, membro da equipe do Urbem que desenvolveu o estudo aprovado pelo Governo. Além de professor da Faculdade de Urbanismo da USP, Braga é um dos donos do escritório de arquitetura MMBB, que também tem como sócio o atual secretário municipal de desenvolvimento urbano, Fernando de Mello Franco. Em 2013, Franco licenciou-se da empresa para ocupar o cargo público.

A resposta da SEHAB estadual sobre a consulta ao projeto foi no mesmo sentido do instituto. “A SEHAB esclarece que as informações passíveis de consulta pública, até o momento, já foram disponibilizadas via internet, no site da agência de fomento habitacional Casa Paulista www.casapaulista.org.br (SIC). O detalhamento dos estudos não pode ser apresentado na fase atual, de pré-lançamento do edital da licitação, a fim de se evitar atrasos e prejuízos ao processo, causados por eventuais especulações imobiliárias em torno das áreas a serem exploradas ou desapropriadas pelos empreendedores privados”.

Se o argumento para a não divulgação pública e na íntegra do estudo é o temor de especulação imobiliária, o decreto, em tese, também não “poderia” ser divulgado, uma vez que explicita a localização de 890 imóveis onde acontecerão as intervenções do projeto.

As informações sobre a PPP disponíveis no site da Agência Casa Paulista (o site correto é www.casapaulista.sp.gov.br) trazem apenas um conteúdo resumido, inserido no edital de chamamento público para as empresas interessadas, à época, na concorrência para a elaboração dos estudos e projeto urbanístico, vencida pelo Instituto Urbem. O edital de chamamento contém 20 páginas em PDF. De acordo com Philip Yang, diretor do Urbem, o estudo e projeto realizados por sua equipe gerou 3.600 páginas divididas em 12 tomos de 300 páginas cada um.

Semelhança com Projeto Nova Luz

Uma informação que ainda não está totalmente esclarecida sobre a PPP da Agência Casa Paulista e que aparece na resposta da SEHAB enviada ao AG por email é a responsabilidade pela desapropriação das áreas designadas ao projeto: “(…)  a fim de se evitar atrasos e prejuízos ao processo, causados por eventuais especulações imobiliárias em torno das áreas a serem exploradas ou desapropriadas pelos empreendedores privados“. Se, de fato, o poder de desapropriação – e posterior exploração das áreas desapropriadas com fins de lucro – for concedido aos empreendedores privados, a PPP do centro se assemelhará ao Projeto Nova Luz no que se refere ao uso do instrumento de concessão urbanística. Entre as críticas que recaem sobre o uso da concessão nesses moldes, uma das principais é esta: “Esse projeto de lei (do projeto Nova Luz) está criando, na prática, a figura de concessionária de especulação imobiliária, atividade vedada ao próprio Poder Público. Como é possível transferir a particular o poder de desapropriar para fins de revenda, o que é vedado ao próprio Poder Público?” (leia a crítica completa aqui).

O projeto Nova Luz, do ex-prefeito Gilberto Kassab, foi barrado no ano passado pela ação de moradores e pequenos comerciantes da região sob o argumento de que não houve consulta pública, como exige a lei. Nesse ano o prefeito Fernando Haddad suspendeu oficialmente o projeto.

Espaços vazios e informação pública

“O princípio desse programa (PPP) é ocupar vazios urbanos”, afirmou Milton Braga ao AG, e acrescentou que “nosso estudo foi orientado por eleger vazios urbanos, terrenos vazios, subutilizados e assim por diante”. Considerando que a audiência pública do dia 16/8 foi acompanhada por diversos moradores que serão desapropriados, e tendo em conta que se trata de um projeto que vai afetar a vida de milhares de pessoas, desapropriadas ou não, é primordial, neste momento, entender o que o Instituto Urbem define como “vazios urbanos”, além de todos os detalhes dos estudos e do projeto urbanístico. Só assim será possível saber quais são os planos da Secretaria de Estado de Habitação para esta região da cidade.

Com base nesses questionamentos e após receber negativas do Instituto Urbem e SEHAB estadual, o AG fez um pedido formal no dia 17/8 por meio do site Serviço de Informação ao Cidadão do Governo do Estado de São Paulo, solicitando consultar, pessoalmente, a íntegra do estudo desenvolvido pelo Instituto Urbem para a execução da PPP de habitação da Agência Casa Paulista. O pedido foi feito com base na Lei de Acesso à Informação, que garante a todo cidadão, independentemente das suas razões, acesso a informações públicas. Para fazer uma solicitação, basta acessar o site e dizer, com objetividade, quais as informações desejadas e em qual órgão público elas se encontram.

Comprovante eletrônico da solicitação. Informação deve ser entregue até o dia 6 de setembro.

Comprovante eletrônico da solicitação. Informação deve ser entregue até o dia 6 de setembro.

Resistência

Após o anúncio do decreto com a lista dos 890 imóveis a serem desapropriados no centro da cidade, moradores da região, muitos deles na mira das desapropriações, já começam a se organizar para resistir ao processo e convocar outras pessoas para que façam o mesmo. Duas iniciativas acontecem na internet, pelo site São Paulo Desapropria, e pela comunidade no Facebook Desalojados do Alckmin. Acompanhe por lá as notícias e atualizações sobre o tema.