Moradores da Favela do Moinho denunciam excessos da polícia

Por Fabrício Muriana e Sabrina Duran

Chegamos à Favela do Moinho por volta de 19 horas da terça-feira, dia 25. O protesto já havia acabado, mas ainda era forte o cheiro do gás lacrimogêneo e seus efeitos irritantes nos olhos e garganta. A cerca de 50 metros da entrada da favela, uma mulher de cerca de 30 anos convulsionava no chão. Moradores tentavam colocá-la dentro de um carro da imprensa emprestado para levá-la ao hospital. Perguntei a uma senhora o que havia acontecido. “A gente estava na linha do trem e a polícia jogou uma bomba de gás que pegou em nós duas. Ela passou mal”, ela disse. Para quem não sabe, a linha do trem passa por dentro do Moinho, e cruzá-la é obrigatório para quem quer entrar ou sair da favela.

moinho

Às 19 horas policiais da Força Tática, a tropa de choque da Polícia Militar de São Paulo, ainda estavam posicionados, armas em punho, na esquina da avenida Rio Branco com a rua Doutor Elias Chaves. A bomba que atingiu as duas mulheres estava entre as que foram utilizadas pela tropa para conter a manifestação momentos antes. Outras bombas e balas de borracha foram disparadas contras os moradores, dentro e fora da favela. O protestou durou pouco. Bombeiros foram chamados para apagar o fogo de colchões e outros objetos que bloqueavam a avenida e os manifestantes foram dispersados pelo choque.

A manifestação foi uma reação a mais uma intervenção policial na Favela do Moinho. Segundo os moradores, dessa vez policiais civis da 3ª Delegacia do Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc) à paisana invadiram a favela em pelo menos dois carros, um cinza e um preto, atirando à esmo com arma de fogo. Eles contam que barracos com famílias foram invadidos, houve corre-corre e ameaças. O episódio aconteceu no fim da tarde, por volta de 17h30, horário de saída escolar, em que muitas crianças voltavam para casa, o que provocou indignação na comunidade. Moradores reagiram atirando pedras em um dos carros, o preto, que precisou recuar. Reforços foram chamados e, de acordo com a assessoria de imprensa do Denarc, foram para o local policiais civis do Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos (Garra), do Grupo de Operações Especiais (GOE) e até o helicóptero Pelicano da Polícia Civil. Mais tarde, quando os moradores saíram da favela e bloquearam a avenida para chamar a atenção para o que acontecia, foi a vez de a Polícia Militar atuar.

A operação que mobilizou quatro equipes diferentes da Polícia Civil resultou na apreensão de um adolescente. De acordo com o Denarc, a invasão da favela tinha como objetivo combate ao tráfico e foram apreendidos papelotes de cocaína e pedras de craque. A polícia nega que tenham ocorrido excessos e afirma que os policiais foram agredidos por moradores durante a operação e, por isso, precisaram chamar reforços. Diversos moradores ouvidos pela reportagem, além de reclamarem de excesso de violência policial, relataram terem presenciado disparos aleatórios e ameaças dos policiais. Como provas dos excessos, recolheram no interior da favela cápsulas de bombas de gás e projéteis de pistola .40. Fotos indicam que as bombas de gás utilizadas estavam com a validade vencida ou raspada, o que, em determinadas circunstâncias, pode causar queimaduras graves na pele, olhos e mucosas. Em junho do ano passado, o uso de bombas de gás com validade vencida já havia sido registrado em outro caso pela Repórter Brasil.

Ao reclamarem de abusos, moradores entrevistados afirmaram que, ao levarem o adolescente, os policiais disseram aos presentes que “dariam um sumiço nele”. A assessoria de imprensa do Denarc diz que a apreensão foi regular e que o adolescente foi encaminhado para a Fundação Casa. Veja a seguir o depoimento de Alessandra Moja, moradora do Moinho há quase duas décadas e que presenciou toda a ação de ontem:

Além de apontarem excessos na ação da polícia, moradores da favela questionam também a operação em si.  A incursão não é episódio isolado. Ao longo de 2013, diferentes episódios de abusos cometidos por policiais à paisana ou fardados na comunidade foram registrados em fotos e vídeos. Violências têm sido reunidas pelos próprios moradores em um mapa desenvolvido dentro do projeto Arquitetura da Gentrificação. Na comunidade, as seguidas ações são consideradas parte de uma estratégia da polícia, chancelada pelo Estado, para intimidar os moradores, gerar medo e desmobilizar a resistência histórica de quem, há quase três décadas, luta para permanecer ali. A Favela do Moinho está localizada em uma das regiões mais valorizadas do centro da cidade, onde há pelo menos três grandes projetos previstos para a área, todos eles de interesse econômico para o Governo do Estado, Prefeitura e para o mercado imobiliário, processo detalhado em reportagem-dossiê publicada em outubro do ano passado.

(Colaborou: Daniel Santini)

Postado sob Limpeza, Resistência em 26 d fevereiro d 2014
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