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Para construir moradia em “vazios urbanos”, Alckmin desapropria imóveis habitados

 

Mesa composta por Suely Mandelbaum, Marcelo Sampaio, Carlos Giannazi, Nelson da Cruz e Gegê. Foto: Fabricio Muriana

Mesa: Suely Mandelbaum, Marcelo Sampaio, Carlos Giannazi, Nelson da Cruz e Gegê. Foto: Fabricio Muriana.

Por Fabrício Muriana e Sabrina Duran

Aconteceu na última sexta-feira, 16/8, na Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP), audiência pública convocada pelo deputado Carlos Giannazi (Psol) para discutir o decreto 59.273, de 07/06/2013, no qual o governador Geraldo Alckmin desapropria 890 imóveis para a parceria público-privada (PPP) da Agência Casa Paulista, ligada à Secretaria de Estado de Habitação de São Paulo (SEHAB). A PPP prevê a criação de 20 mil unidades habitacionais na região central de São Paulo.

Ao longo da audiência, com o microfone aberto à sociedade civil, repetiram-se histórias de absoluto desconhecimento de proprietários de imóveis sobre as desapropriações às quais serão submetidos. A principal reclamação apresentada por eles é que a SEHAB não os consultou sobre esta medida.

O Instituto Urbem, empresa que ganhou a concorrência para desenvolver o projeto urbanístico para os seis lotes que integram a PPP da Casa Paulista, afirma que destacou 73 profissionais para mapear as condições da população e a situação fundiária. Entretanto, nenhum dono de imóvel que será desapropriado e que estava presente na audiência ouviu falar do estudo e nem da PPP. O projeto urbanístico do Urbem servirá de base para a licitação das empresas que demolirão e construirão as novas moradias.

Em documento publicado em 2010, a urbanista e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o Direito à Moradia Adequada, Raquel Rolnik, apresenta as condições essenciais para que uma desapropriação, quando absolutamente necessária, seja feita de forma justa. As três primeiras condições referem-se à informação:

a) dar a oportunidade de autênticas consultas aos afetados;

b) notificar de maneira adequada e razoável todas as pessoas afetadas, antes da data
prevista para o despejo;

c) proporcionar informação, no momento oportuno e a todos os afetados, sobre os despejos propostos, e quando se o proceda, sobre a finalidade para a qual se quer utilizar determinada terra ou moradia.

Precedente negativo

Em 25 de julho desse ano, o juiz de direito Randolfo Ferraz de Campos negou liminar do promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo de São Paulo, dr. Maurício Ribeiro Lopes, que solicitava a paralisação da PPP da Casa Paulista sob o argumento da falta de participação da sociedade civil no processo. Para sustentar a negativa, Ferraz de Campos disse, como argumento principal, que “conceder aqui a liminar na forma como se a requereu na ação implicará atrasar significativamente a implementação da PPP Habitacional (…)”. O juiz também afirmou que era “genérico” o pedido do promotor de “participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano relacionado à Parceria Público Privada para concessão administrativa na área central da cidade de São Paulo para fins de plano habitacional”.

Acesso à informação negado pelo “risco de especulação”

Dias antes da audiência, o Arquitetura da Gentrificação (AG) entrou em contato com Instituto Urbem e com a Secretaria Estadual de Habitação para ter acesso ao projeto na íntegra. Nos dois contatos, porém, o acesso foi negado.

No caso do Instituto Urbem, a justificativa para a não divulgação do estudo é que foi um “pedido deles [Agência Casa Paulista] pra não gerar especulação imobiliária”. A declaração foi dada por telefone pelo arquiteto Milton Braga, membro da equipe do Urbem que desenvolveu o estudo aprovado pelo Governo. Além de professor da Faculdade de Urbanismo da USP, Braga é um dos donos do escritório de arquitetura MMBB, que também tem como sócio o atual secretário municipal de desenvolvimento urbano, Fernando de Mello Franco. Em 2013, Franco licenciou-se da empresa para ocupar o cargo público.

A resposta da SEHAB estadual sobre a consulta ao projeto foi no mesmo sentido do instituto. “A SEHAB esclarece que as informações passíveis de consulta pública, até o momento, já foram disponibilizadas via internet, no site da agência de fomento habitacional Casa Paulista www.casapaulista.org.br (SIC). O detalhamento dos estudos não pode ser apresentado na fase atual, de pré-lançamento do edital da licitação, a fim de se evitar atrasos e prejuízos ao processo, causados por eventuais especulações imobiliárias em torno das áreas a serem exploradas ou desapropriadas pelos empreendedores privados”.

Se o argumento para a não divulgação pública e na íntegra do estudo é o temor de especulação imobiliária, o decreto, em tese, também não “poderia” ser divulgado, uma vez que explicita a localização de 890 imóveis onde acontecerão as intervenções do projeto.

As informações sobre a PPP disponíveis no site da Agência Casa Paulista (o site correto é www.casapaulista.sp.gov.br) trazem apenas um conteúdo resumido, inserido no edital de chamamento público para as empresas interessadas, à época, na concorrência para a elaboração dos estudos e projeto urbanístico, vencida pelo Instituto Urbem. O edital de chamamento contém 20 páginas em PDF. De acordo com Philip Yang, diretor do Urbem, o estudo e projeto realizados por sua equipe gerou 3.600 páginas divididas em 12 tomos de 300 páginas cada um.

Semelhança com Projeto Nova Luz

Uma informação que ainda não está totalmente esclarecida sobre a PPP da Agência Casa Paulista e que aparece na resposta da SEHAB enviada ao AG por email é a responsabilidade pela desapropriação das áreas designadas ao projeto: “(…)  a fim de se evitar atrasos e prejuízos ao processo, causados por eventuais especulações imobiliárias em torno das áreas a serem exploradas ou desapropriadas pelos empreendedores privados“. Se, de fato, o poder de desapropriação – e posterior exploração das áreas desapropriadas com fins de lucro – for concedido aos empreendedores privados, a PPP do centro se assemelhará ao Projeto Nova Luz no que se refere ao uso do instrumento de concessão urbanística. Entre as críticas que recaem sobre o uso da concessão nesses moldes, uma das principais é esta: “Esse projeto de lei (do projeto Nova Luz) está criando, na prática, a figura de concessionária de especulação imobiliária, atividade vedada ao próprio Poder Público. Como é possível transferir a particular o poder de desapropriar para fins de revenda, o que é vedado ao próprio Poder Público?” (leia a crítica completa aqui).

O projeto Nova Luz, do ex-prefeito Gilberto Kassab, foi barrado no ano passado pela ação de moradores e pequenos comerciantes da região sob o argumento de que não houve consulta pública, como exige a lei. Nesse ano o prefeito Fernando Haddad suspendeu oficialmente o projeto.

Espaços vazios e informação pública

“O princípio desse programa (PPP) é ocupar vazios urbanos”, afirmou Milton Braga ao AG, e acrescentou que “nosso estudo foi orientado por eleger vazios urbanos, terrenos vazios, subutilizados e assim por diante”. Considerando que a audiência pública do dia 16/8 foi acompanhada por diversos moradores que serão desapropriados, e tendo em conta que se trata de um projeto que vai afetar a vida de milhares de pessoas, desapropriadas ou não, é primordial, neste momento, entender o que o Instituto Urbem define como “vazios urbanos”, além de todos os detalhes dos estudos e do projeto urbanístico. Só assim será possível saber quais são os planos da Secretaria de Estado de Habitação para esta região da cidade.

Com base nesses questionamentos e após receber negativas do Instituto Urbem e SEHAB estadual, o AG fez um pedido formal no dia 17/8 por meio do site Serviço de Informação ao Cidadão do Governo do Estado de São Paulo, solicitando consultar, pessoalmente, a íntegra do estudo desenvolvido pelo Instituto Urbem para a execução da PPP de habitação da Agência Casa Paulista. O pedido foi feito com base na Lei de Acesso à Informação, que garante a todo cidadão, independentemente das suas razões, acesso a informações públicas. Para fazer uma solicitação, basta acessar o site e dizer, com objetividade, quais as informações desejadas e em qual órgão público elas se encontram.

Comprovante eletrônico da solicitação. Informação deve ser entregue até o dia 6 de setembro.

Comprovante eletrônico da solicitação. Informação deve ser entregue até o dia 6 de setembro.

Resistência

Após o anúncio do decreto com a lista dos 890 imóveis a serem desapropriados no centro da cidade, moradores da região, muitos deles na mira das desapropriações, já começam a se organizar para resistir ao processo e convocar outras pessoas para que façam o mesmo. Duas iniciativas acontecem na internet, pelo site São Paulo Desapropria, e pela comunidade no Facebook Desalojados do Alckmin. Acompanhe por lá as notícias e atualizações sobre o tema.

Movimentos de moradia discutem PPP da habitação do centro com secretário estadual Silvio Torres

Gegê (segundo à esquerda) para secretário de habitação do Estado, Silvio Torres: "o que vocês estão fazendo é uma contradição"

Gegê (segundo à esquerda) para secretário de habitação do Estado, Silvio Torres: “o que vocês estão fazendo é uma contradição”

Na última quarta-feira,  3/7, participamos como ouvintes da reunião entre membros de movimentos de moradia do Centro de São Paulo e com o secretário de habitação do Estado de São Paulo, Silvio Torres. O tema da reunião era a parceria público-privada para a construção de 20 mil habitações no Centro. A parceria foi estabelecida entre o governo estadual, governo municipal e iniciativa privada. O governo federal também irá aportar verbas do programa Minha Casa, Minha Vida no projeto.

Também estiveram presentes na reunião o subsecretário da Agência Casa Paulista, Reinaldo Iapequino, e Philip Yang, fundador do Instituto Urbem, responsável pelo projeto de habitação vencedor do edital da PPP do centro. A Agência Casa Paulista é o braço do governo que administra e opera fundos destinados à construção de habitação para população de baixa renda.

Gegê, liderança de movimentos de moradia, foi incisivo ao afirmar aos gestores que estes estavam tratando de forma indigna os movimentos históricos da região central da cidade por não terem aberto o diálogo com seus representantes antes da apresentação da PPP, impondo o projeto de cima para baixo. Disse também que o número de habitações destinadas aos movimentos sociais – 2 mil do total de 20 mil – é insuficiente para atender ao déficit habitacional da população de baixa renda. Em documento entregue durante a reunião aos gestores, os movimentos reivindicam, entre outras coisas, que 10 mil das 20 mil unidades previstas sejam destinadas às entidades e associações que atuam historicamente na região central; que outras 5 mil unidades sejam destinadas à locação social, que beneficiaria idosos de baixa renda, pessoas com deficiência e pessoas em situação de rua.

Dirigindo-se ao secretário, Gegê disse que isso era o mínimo que a secretaria poderia oferecer à população de baixa renda que já vive no centro, e pediu que Silvio Torres desse uma resposta aos presentes a respeito das 10 mil habitações reivindicadas. Até o final da reunião que durou mais de duas horas, Torres não se pronunciou sobre o assunto.

Entre as promessas feitas pelo secretário, está a da abertura de um novo edital para contemplar as entidades e associações do centro que ficaram de fora do cadastro. “Mas não posso garantir que isso seja feito para esta fase do projeto”, ponderou Torres, explicando que PPP da habitação terá uma segunda etapa, e que esta poderia contemplar mais reivindicações.

Ouça/baixe o áudio completo no link a seguir: